Baile de Fandango acontece no domingo| Foto: Arquivo Gazeta do Povo

A capa do livro pode desagradar e acabar com a chance de especulações mais, digamos, altruístas sobre o título Entre as Mulheres. Mas, não se avexe em pegá-lo para folhear. Em poucos parágrafos você não vai querer desgrudar da leitura do terceito livro de ficção do carioca Rafael Cardoso – que também escreveu Controle Remoto (2002) e A Maneira Negra (2000), todos publicados pela Record.

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A leitura ligeira condiz com a escrita enxuta, direta e envolvente do autor, mas não é frívola. Vamos dizer que seja "carioca". Como as mulheres retratadas em cada um dos contos. Ou capítulos de um romance. Fica a critério do leitor decidir.

Renata, Catete, 34. Helena, Gávea, 16. Rosana, Ilha do Governador, 50. Maria, Riachuelo, 93. Jade, Bonsucesso, 6. O autor contempla 16 pedaços do Rio para traçar o perfil de 16 mulheres de variadas idades. O livro é, como escreve o escritor Luiz Ruffatto, na orelha, "uma bela declaração de amor ao Rio de Janeiro". E, certamente, às mulheres.

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Talvez Rafael seja um mulherengo como seu alter-ego no texto, o DJ Rafael. Talvez tenha muitas irmãs. Ou muitas amigas. O fato é que consegue dar voz a cada uma de suas personagens com sensibilidade. E alguma legitimidade – embora, cá entre nós, mulheres, esteja claro que os discursos femininos, em primeira pessoa, foram filtrados por uma cabeça masculina.

Se não, como seria possível que quase todas as personagens, com personalidades, faixa etária e condições sociais diferentes, tenham se deixado enganar tão tolamente por tipos como o tal DJ xará do autor, o típico cafajeste mauricinho com medo de se envolver em uma relação estável? O Rafael personagem, "bendito fruto entre as mulheres", só pode ser troça do Rafael escritor.

Mesmo assim, às leitoras, será difícil não identificar traços de si mesmas em cada pequeno perfil, delineado com respeito e delicadeza, mas sem esconder com tintas rosas a crueza da vida de Mariellen, jovem homossexual de Jacarepaguá; de Bel, atriz decadente do Jardim Botânico; de Graziela, vendedora de Ipanema; Jamilly, prostituta de Copacabana; ou, Helena, adolescente da Gávea que se envolve com um traficante e vai morar no morro.

Cardoso detém-se em um breve momento da vida de cada uma de suas mulheres, que pode ser insignificante diante de outros eventos não-ditos de suas trajetórias, mas está carregado de anseios, frustrações, arrependimentos, sonhos de futuro. São pequenos retalhos de vida pulsante, geralmente ignorados, mas que o autor, talvez motivado pelo lema pintado no quartel do 17.º GBM, em Copacabana – "Somos bombeiros. Nada do que é humano nos é indiferente" –, reproduzido na epígrafe do livro, resolveu destacar com lente de aumento.

E o Rio, como essas mulheres, transforma-se em vários Rios, sem, no entanto, deixar de ser um e único. Já no primeiro capítulo (ou conto), Renata, 34, depara-se com um livro de Sérgio Porto, em um camelô no Catete: "Estava ali passando (...) na hora do almoço, quando seu olhar foi atraído pela capa do livro na banca do camelô. Uma silhueta de mulher a emergir das águas, destacada em preto contra o fundo branco, com o título impresso em vermelho – As Cariocas. Simples, mas eficaz. Renata gostava de apreciar essas coisas, assim de design. Achou intrigante o nome; afinal, ela era uma carioca legítima, da gema, e não se lembrava nunca de ter visto um livro sobre o tema".

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Introdução generosa que instiga o passeio do leitor por esta cidade feminina, ao mesmo tempo, amada e odiada, a depender como trata com generosidade ou mesquinhez suas mulheres.

Serviço: Entre as Mulheres, de Rafael Cardoso (Record, 256 páginas, R$ 35).