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São Paulo – Há bons motivos para considerar que o livro História Sexual da MPB – A Evolução do Amor e do Sexo na Canção Brasileira (Editora Record, R$ 63,90), de Rodrigo Faour, tem papel desbravador. Como tiveram os transgressores Ney Matogrosso, Marina Lima, Antônio Cícero, Joyce, Rita Lee, Wando, Vanusa, Ângela Ro Ro e Tati Quebra-Barraco no desenvolvimento do tema dentro da música feita nos séculos 20 e 21 no país. Estes são apenas alguns dos retratados no espesso volume de 588 páginas (mais dois encartes de 32), que chega às livrarias no dia 7 de novembro.

Falar sobre sexo ainda provoca certos rubores. Explicitar o assunto em canções, então, é um âmbito ainda mais espinhoso e já fez muito letrista e intérprete sofrer censura (institucional ou do senso comum) e discriminação no Brasil. Ainda mais se o personagem em questão for mulher e/ou gay, já que os principais segmentos – samba, rock, música nordestina, hip-hop, enfim quase todos – são extremamente machistas. Mais restrita ainda é a bibliografia sobre sexo e suas diversas formas, derivados e situações correlatas na música brasileira. Daí a bandeira de promessas cumpridas do livro.

Se sexo verbal não faz seu estilo, como dizia Renato Russo em "Eu Sei", vamos tocar no lado documental, mas sem dispensar boas doses de malícia, ora. Escrito em linguagem coloquial e bem-humorada, o volume vem recheado de dados históricos, capas de discos, depoimentos importantes de criadores bem-pensantes da música letrada e citações de versos de 1.300 canções brasileiras. Isto é fruto de um levantamento minucioso, que vai do lundu, em meados do século 19, ao funk-favela carioca dos 2000.

Pelo grau de detalhamento e o montante de referências, o leitor deve imaginar que o autor passou a maior parte de seus 34 anos pensando só naquilo. "Estou há quatro anos com esse tema na cabeça, mas o grosso mesmo do material só produzi em 2005", conta o pesquisador e jornalista, que partiu de uma sugestão da sexóloga Regina Navarro Lins, autora de alguns dos depoimentos mais transparentes e estimulantes do livro.

"Tudo começou em 2001, quando ela me chamou para escrever na revista Muito Prazer uma coluna sobre o amor na MPB e seus diversos temas: motel, traição, separação, etc. A revista durou só dois números, mas a idéia ficou martelando na minha cabeça", conta o autor do biográfico Bastidores – Cauby Peixoto: 50 Anos da Voz e do Mito (2001) e de Revista do Rádio (2002).

Faour mira sua objetiva e defende seu ponto de vista, afirmando que, além da perspectiva carioca (daí em parte a proeminência do funk-favela em suas análises), optou por concentrar-se no mainstream da MPB – aquela que tocou no rádio e teve repercussão nacional –, com eventuais citações de curiosidades, para não virar um saco sem fundo. "Poderia fazer um capítulo só com o underground, mas aí ia ser muito chato, porque ninguém ia ter referência do que eu estava falando", justifica.

História Sexual surge como uma provocativa obra de referência, mas não esgota o assunto. Nem pretendia. "O objetivo é fazer as pessoas prestarem mais atenção no que estão ouvindo. Não é um livro só de história, mas para alfinetar as pessoas", diz o autor.

Através das décadas

Até os anos 60 do século passado, a permissividade na música brasileira aparece mais em letras inconseqüentes de marchinhas e sambas carnavalescos, mas ainda assim havia muita tragédia cantada em meio aos risos nos salões de bailes. As conquistas femininas vieram a duras penas, desabrochando em sensualidade na virada dos anos 70 para os 80, com Joyce, Rita Lee, Fátima Guedes e Marina Lima, entre outras, coincidindo com a abertura política. O prazer do sexo sem culpas (a dois ou solitário), a questão da virgindade, o "despertar da primavera", a diversidade de, digamos, "cardápio" (só permitida aos homens), menstruação, taras ou homossexualismo – isso tudo era e continua meio tabu. E sobre o atualíssimo sexo pela internet nada representativo ainda rolou nas canções.

No quesito gay, é de se perguntar por que, tendo tantas cantoras e compositores jogando no setor, há tão poucas canções pertinentes. O tema compõe um capítulo à parte, de importância ímpar no livro, mas não espere encontrar revelações picantes sobre suspeitos enrustidos. Eles vão continuar na moita. Pioneiros na área, Ney Matogrosso e Ângela Ro Ro, como se sabe, deram as maiores contribuições para romper o preconceito (não só contra gays e não só sexuais), embora héteros notórios como Chico Buarque, Martinho da Vila, Wando, Djavan e até Noel Rosa tenham sido mais corajosos na abordagem bissexta do tema do que o assumido Cazuza.

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