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´´Claro Que Ela Ajudará a Construir o Muro``, de Osgêmêos; ´´Máscara CII``, de Niobe Xandó; e obra de Raphael Domingues, paciente-artista de Nise da Silveira | Reprodução
´´Claro Que Ela Ajudará a Construir o Muro``, de Osgêmêos; ´´Máscara CII``, de Niobe Xandó; e obra de Raphael Domingues, paciente-artista de Nise da Silveira| Foto: Reprodução

O Museu Oscar Niemeyer acumula qualidades arquitetônicas e museográficas ao manter várias e amplas salas expositivas que aparentemente não se comunicam. O espectador entra em cada um dos salões e parece sair de experiências sensoriais diversas. Superficialmente se poderia afirmar que são exibições dissociadas, submetidas a percursos com começo, meio e fim. Mas a arte, felizmente, nos trai e vai muito mais longe.

O comentário natural é: gostei mais de tal ou qual exposição e ficar por aí. Olhar externamente para a presença marcante do prédio no cenário curitibano e ir embora. A visita arguta e de espírito aberto possibilita, em contraponto, constatar que nesse momento particular do cronograma da instituição, uma trama se engendra diante de nossas percepções ao apreciar as sensíveis exibições de Niobe Xandó, Osgêmêos e os trabalhos artísticos em torno da psiquiatra Nise da Silveira.

Na vibração do mundo atual, em que tudo caminha para uma nova ordem mundial, vale revalidar a visita que o Museu Oscar Niemeyer suscita. Comecemos pela observação crítica de cada um dos conjuntos apresentados. Logo após é possível fazer uma amarração geral e encontrar as estimulantes convergências poéticas das três exposições em cartaz.

Niobe Xandó, com duas salas do museu, passa por um processo de grande visibilidade graças ao empenho do pesquisador e curador Antonio Carlos Abdalla. A obra da artista é investigada por meio de cinco módulos. Todos comprovam como Niobe Xandó lida com o ancestral, o bom humor, a espontaneidade de gestos e os procedimentos técnicos que remetem a uma urbanidade desenfreada, amalucada. Sua obra tem a característica do muralismo, das obras que têm a vocação para o ambiente público.

A produção de Osgêmêos saiu das ruas e veio para o museu, sem perder o sentido panfletário das exaustões das cidades atuais. As criaturas humanas que circulam pelos trabalhos da dupla de artistas estão na contramão da agressividade mais destilada e cruel que tomou conta do mundo e sugerem uma nova fórmula de convivência social, a que nos é possível. Tudo o que pode ser conferido na sala do Museu Oscar Niemeyer sugere um novo humanismo: transformar tanta "feiúra" e descontrole em algo digerível e oxigenado.

A função da arte e a relação arte e vida ganham dimensões sugestivas na exposição em torno da obra de Nise da Silveira. Nise é enfocada como a rebelde (de justas e magnânimas causas). Os trabalhos produzidos por pacientes com distúrbios mentais emanam uma viva sensibilidade artística que nos mobilizam a sempre acreditar na superação dos mais dolorosos entraves humanos.

No "unidos venceremos", Niobe Xandó, Osgêmêos e as obras dos pacientes-artistas de Nise de Silveira injetam em Curitiba a necessária preponderância da arte desobediente e profundamente instigante. Conjuntamente, essas exposições chacoalham o público do museu no sentido de uma reflexão que escapa do essencialmente estético e vai muito além. A arte afinal não é para botar medos interpretativos, causar mesuras e abordagens limitadoras.

Sem deixar de aferir as particularidades e complexidades de cada exposição (que obviamente são preservadas e muito bem exploradas pelas respectivas curadorias e pela própria organização do museu), a leitura das três exibições pode ter sentido comum e promissor. Isso é válido para o público geral, para o estudante de artes visuais e para aquelas pessoas que estão ligadas às questões contemporâneas, quer seja o leitor assíduo de jornais ou aquele que não se cansa de descobrir as dimensões da internet.

Não é preciso temer uma floresta de signos ou de conceitos que essas mostras suscitam. O caminho sugerido para a compreensão é simples. Niobe, Osgêmêos e Nise nos conduzem a uma visualidade que se encarna no domínio público, na vocação de que a arte tem elementos de uma revolução silenciosa, libertadora de tantas amarras e feliz, mesmo que oriunda de tantos embates.

São três mostras unificadas que podem ser traduzidas da seguinte forma: Cansei do mundo tal qual se apresenta! Quero ver e sentir o que transforma e move as sensibilidades. Ou ainda: quero mais poesia nas ruas e nas mentes. A loucura libertada e dentro dos canais da sabedoria não faz mal. Ela é companheira de toda hora.

Niobe (observe a música incidental de Anna Maria Keiffer sonorizada na exposição) indica que estamos em uma fábrica de imagens e frases riscadas no espaço imaginário. Osgêmêos fazem de um carro um bicho com um imenso carão afetuoso e mãos acariciadoras. Os artistas que giram no universo de Nise suavizam a realidade da imperfeição (?) comportamental do mundo. Nessas exposições a indicação é que as amarras sensoriais são possíveis de serem desatadas: da intimidade para o externo e do exterior para o interno.

Pode ser exagero ou erro conceitual: mas a arte nos cura. Quem vê a arte com outros olhos pode mergulhar em novos padrões de concepção, mesmo não sendo artista. O Museu Oscar Niemeyer que merece longa e perene vida é esse incrível castelo contemporâneo das transformações pela arte. Niobe, Osgêmêos e Nise merecem serem vistos assim conjuntamente e com grande contentamento.

*Washington de Carvalho Neves é jornalista e crítico de arte.

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