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Morto há dez anos, maestro alemão Carlos Kleiber era admirado pelo gestual simples, eficaz e expressivo | Divulgação
Morto há dez anos, maestro alemão Carlos Kleiber era admirado pelo gestual simples, eficaz e expressivo| Foto: Divulgação

Neste domingo, há exatamente dez anos, em 13 de julho de 2004, morria em Konjsica, Eslovênia um dos maiores fenômenos da regência de orquestra: Carlos Kleiber. Nascido em Berlim, em 1939, seu nome mudou de Karl para Carlos no período em que viveu em Buenos Aires. Este período sul-americano, que coincidiu com a Segunda Guerra Mundial, foi provocado pela fuga da Alemanha nazista de seu pai, Erich Kleiber, também um grande maestro, que era mal visto em seu país por reger música de vanguarda (estreou a ópera Wozzeck, de Alban Berg) e por se opor às intromissões artísticas dos asseclas de Hitler.

Seu pai, tendo vivido muitas vicissitudes em sua carreira, tentou dissuadir o filho de seguir uma trajetória musical. Carlos Kleiber chegou a estudar Química, mas acabou embarcando se tornando músico. Foi, a partir de 1952, pianista preparador num pequeno Teatro de Munique (Gärtnerplatz Theater) e teve sua primeira oportunidade de reger uma opereta em 1954, no pequeno teatro da cidade de Potsdam. De 1958 a 1964, foi um dos quatro maestros da Deutsche Oper am Rhein, em Düsseldorf, e foi um dos maestros da Ópera de Zurique de 1964 a 1966. Entre 1966 e 1973 atuou como maestro principal da Ópera de Stuttgart, seu último cargo permanente.

Suas execuções eram tão brilhantes nestas cidades que ele foi convidado para atuar nos mais importantes teatros e salas de concerto do mundo à frente das mais renomadas orquestras. É a partir daí que nasce o mito Carlos Kleiber. Em 1974, deixou todos boquiabertos no Festival Wagneriano de Bayreuth, regendo de forma memorável Tristão e Isolda, voltando a fazê-lo em 1975 e 1976. Neste tempo, ele colaborou de forma frequente com a Ópera de Munique, onde fez sua primeira gravação, que nunca saiu de catálogo: La Traviata, de Verdi, com Ileana Cotrubas e Placido Domingo. Mesmo tendo em cena grandes artistas, como Domingo e Mirela Freni, quem mais chamava a atenção era ele.

Contratado pelo selo Deutsche Grammophon, gravou diversas obras, em registros absolutamente antológicos, especialmente à frente de duas grandes orquestras com as quais ele se relacionava muito bem: a Filarmônica de Viena e a Staatskapelle Dresden. Atuou com grande êxito nos mais importantes teatros de ópera do mundo: Teatro Scala de Milão, Metropolitan de Nova York, Ópera de Viena e no Covent Garden de Londres. Como maestro de repertório sinfônico atuou também frente às maiores orquestras de Berlim, Amsterdã, Viena, Chicago (a única orquestra americana que regeu) e Munique.

Mito

Quando vemos uma carreira como esta, alguns números nos chocam. Carlos Kleiber regeu menos de 96 concertos em toda sua carreira, e por volta de 400 récitas de ópera. Em resumo, se apresentou pouco. Seu repertório sinfônico acabou se tornando extremamente reduzido: quatro sinfonias de Beethoven (N.ºs 4, 5, 6 e 7), duas de Brahms (2 e 4), duas de Mozart (33 e 36), uma sinfonia de Haydn (94), uma abertura de Beethoven ("Coriolano"), duas sinfonias de Schubert (3 e 8) e três fragmentos sinfônicos da ópera Wozzeck, de Alban Berg. De Mahler, regeu uma vez A Canção da Terra. Em termos de óperas, regeu uma de Wagner (Tristão e Isolda) duas de Puccini (La Bohéme e Madama Buterfly), uma de Bizet (Carmen), duas de Weber (Der Feischuetz e Oberon) e três de Richard Strauss (Elektra, Cavaleiro da Rosa e Daphne). De Verdi, regeu seis títulos, mas apenas dois com frequência (La Traviata e Otello).

Perfeccionista ao extremo, chegou, por exemplo, a ensaiar por três horas com a Orquestra do Covent Garden, de Londres, um trecho de dois minutos da ópera se Strauss O Cavaleiro da Rosa e para La Bohéme, de Puccini, solicitou 15 ensaios de orquestra no Met de Nova York. Cancelou inúmeras apresentações e chegou mesmo a dizer que ele só se apresentava quando sua geladeira estava vazia.

Em 1993, a Sony lançou um CD com o poema sinfônico Uma Vida de Herói, de Strauss. Apesar da gravação ser a melhor já feita desta obra, ele conseguiu uma ordem judicial para recolher das lojas todos os exemplares. Feliz de quem já ouviu este registro. Em 1989, com a morte de Herbert von Karajan (1908-1989), lhe foi oferecido o posto de diretor musical da Orquestra Filarmônica de Berlim, convite que ele rapidamente recusou. Em diversos momentos, cancelava um trabalho por se indispor, quer seja com a administração das orquestras e teatros, ou com músicos de orquestra.

Mesmo com todos esses problemas, era imensamente admirado por seu gestual simples, mas extremamente eficaz e expressivo, pelo acerto de suas concepções e sua incrivelmente forte energia. Eu tive a sorte de assistir a uma récita regida por ele de Otello, de Verdi, em Munique, em 1978, com Carlo Cossuta como Otello e Mirela Freni como Desdemona (o tenor brasileiro Benito Maresca cantava o papel de Cassio). Só posso dizer que nunca esquecerei!

Legado

Felizmente, existem alguns vídeos que mostram bem as virtudes extraordinária deste artista. O mais impressionante é o DVD gravado em 19 de outubro de 1983. Nele, Carlos Kleiber apresenta as sinfonias N.º 4 e N.º 7, de Beethoven, à frente da Orquestra Real do Concertgebouw, de Amsterdã. Para muitos, a regência mais bonita de toda a história.

Outro documento impressionante são os Concertos de Ano Novo, da Filarmônica de Viena, de 1989 e 1992, que foram muito bem filmados pelo diretor de televisão Brian Large. Nunca a música ligeira, valsas e polcas, tiveram uma regência equivalente.

Em termos de áudio, a gravação da ópera Tristão e Isolda, de Wagner, realizada em Dresden, permanece como a referência absoluta. A Sinfonia N.º 4, de Brahms, frente à Filarmônica de Viena, é um dos mais impressionantes registros sinfônicos já realizados, e do mesmo nível e com a mesma orquestra, são as gravações que ele realizou das sinfonias N.º 5 e N.º 7, de Beethoven.

Em março de 2011, a conceituada revista inglesa BBC Music fez uma consulta com os 100 maestros mais importantes do mundo para que dissessem quem foi ou é o maior maestro de orquestra. O mais votado foi Carlos Kleiber. Ele ficou bem à frente de Karajan, Arturo Toscanini (1867-1957), Wilhelm Furtwängler (1886-1954) e Claudio Abbado (1933-2014). Muita gente acredita mesmo: Carlos Kleiber foi o maior maestro da história.

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