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Olhos (nem sempre) atentos

Entre os documentos disponíveis no site www.censuramusical.com.br, estão canções que serviram de trilha sonora para os "anos de chumbo", incluindo muitas conhecidas do grande público e composições de artistas populares que tiveram suas obras vetadas.

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"Armamento e Tiro", "Técnica de Censura de Letras Musicais" e "Cultura Brasileira" eram algumas das disciplinas do currículo do Curso de Formação Profissional de Censor Oficial, oferecido pela Polícia Federal no final do regime militar brasileiro (1964 – 1985). O edital com descrições e carga horária é um dos documentos inéditos disponíveis no site www.censuramusical.com.br, criado pelos jornalistas André Rocha, Gabriel Pelosi e Lucas Mota. A página reúne cerca de 20 documentos de censura da ditadura militar, além de um histórico do período e entrevistas com figuras emblemáticas dos "anos de chumbo".

"Apesar da censura já existir no país desde os tempos do Estado Novo, foi nos anos 70 que ela se profissionalizou", explica Rocha, que, junto com os outros dois jornalistas, mantêm o site no ar desde junho deste ano. O trio pretende fazer atualizações periódicas dos documentos que reuniu ao longo das pesquisas.

O projeto nasceu como um trabalho de conclusão de curso, quando os jornalistas começaram a reunir material sobre a censura na MPB. Em pouco tempo, já estavam garimpando nos arquivos nacionais do Rio de Janeiro e de Brasília, nos quais encontraram inúmeras caixas contendo letras de músicas, cartas e processos.

A maior parte dos documentos data dos anos 70, época em que o Brasil foi governado pelos generais Médici (1969 – 1974) e Geisel (1974 – 1979). Foi durante esse período que se intensificou a censura à música popular brasileira, que se tornou explícita com o Ato Institucional n.º 5, de 1968. Instaurou-se uma verdadeira caça as bruxas na MPB, que impediu a gravação de canções de artistas como Chico Buarque, Gilberto Gil e Raul Seixas, através da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), herdeiro do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), da Era Vargas.

Os exemplos de músicas censuradas não faltam. "Tanto Mar", de Chico Buarque, foi impedida de ser cantada pois o censor viu nos versos iniciais, "Sei que estás em festa, rapaz/Fico contente/E enquanto estou ausente/Guarda um cravo para mim", uma alegoria à revolução socialista em Portugal, já que os cravos eram o símbolo dos revolucionários. Sobre a mesma música, outro censor completa: "A proposição artística é antagônica a qualquer lógica racionalista, tornando-se sem propósito e até ridícula".

É de Chico Buarque também a música "Apesar de Você", que se tornou um marco contra a censura no país, obrigando as gravadoras a enviarem todas as canções para aprovação antes de serem gravadas, explica Rocha.

Composta por Raul Seixas e Paulo Coelho, a música "Óculos Escuros" também foi vetada em 1973, considerada com uma mensagem "negativa, (que) induz flagrantemente ao descontentamento e insatisfação no que tange ao regime vigente e incita a uma nova ideologia, contrária aos interesses nacionais".

Além das músicas de cunho político, diversas letras consideradas contrárias "à moral e aos bons costumes" receberam o carimbo de "vetado". Os exemplos vão de "Papai me Empresta o Carro", de Rita Lee, considerada imprópria, à "Sonho Molhado", de Gilberto Gil, por suposta vulgaridade.

O cantor e compositor Odair José – com várias músicas censuradas no currículo – afirmou, em entrevista ao site, que durante a composição já nascia uma auto-censura por parte do artista, o que se tornava pior do que a proibição em si. Odair era conhecido nos anos 70, ao lado de Waldik Soriano, como "o terror das empregadas", por suas músicas de caráter popular e recheadas de insinuações sexuais. "Pare de Tomar a Pílula", seu maior sucesso, teve problemas com o regime militar e só foi liberada para shows nos anos 80, durante o governo Figueiredo.

O site ainda reúne resenhas de alguns livros que ajudaram os jornalistas durante o processo, como A História Sexual da MPB, de Rodrigo Faour, a série definitiva sobre a ditadura do jornalista Elio Gaspari, entre outros, além do polêmico Roberto Carlos em Detalhes, de Paulo Cesar de Araújo, que teve sua venda recentemente proibida por um processo instaurado pelo biografado. Ecos de um tempo que parecia distante, mas se revela assustadoramente atual.

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