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O corpo do humorista será cremado neste domingo em cerimônia familiar | Agência O Globo
O corpo do humorista será cremado neste domingo em cerimônia familiar| Foto: Agência O Globo

Em 2011, quando completou 80 anos, Chico Anysio deu uma entrevista a um "repórter" que o conhecia melhor do que qualquer outro: seu filho Bruno Mazzeo, também humorista, que desde a infância acompanhava o pai nas viagens de seus shows de humor - aquilo que, muito tempo depois, ganharia, também no Brasil, o nome de stand-up comedy. Pai e filho conversaram sobre a carreira, o sucesso e o único arrependimento de Chico, o cigarro, para o projeto Globo Teatro. A conversa com o humorista morto na última sexta-feira, ainda aos 80 anos, permanecia praticamente inédita até hoje. Conhecido pelas centenas de personagens que criou, nela Chico representa somente a si mesmo.

BRUNO MAZZEO: O ator italiano Vittorio Gassman dizia que a gente deveria viver duas vezes. Uma seria como ensaio, a outra para valer. Se seus 80 anos fossem um ensaio, o que mudaria na vida seguinte, a que valeria?CHICO ANYSIO: Não mudaria nada, faria tudo igual. Apenas não fumaria.

BRUNO MAZZEO: Você sempre cita o Professor Raimundo como seu personagem preferido, mas sei que é muito mais por uma questão afetiva, de gratidão, por ele ter sido o primeiro, ter te aberto as portas do rádio, depois da TV. Em termos de conteúdo, qual personagem você mais se orgulha de ter criado?CHICO ANYSIO: Justo Veríssimo, porque é a denúncia mais séria e mais grave da grande roubalheira que acontece nesse país.

BRUNO MAZZEO: E qual personagem você gostaria de ter criado ou interpretado?CHICO ANYSIO: O Inspetor Clouseau, do Peter Sellers. Aliás, qualquer um do Peter Sellers. Ainda tenho vontade de fazer um filme com uma versão de "Muito além do jardim".

BRUNO MAZZEO: Qual é a sua relação com o sucesso e a dependência dele?CHICO ANYSIO: Sucesso é um acidente de percurso. Eu dou ao sucesso uma importância ínfima. Eu nunca me aproveitei do sucesso para fazer nada. Simplesmente fiz o meu trabalho.

BRUNO MAZZEO: Um dos grandes momentos da sua carreira foi ter se apresentado no Carnegie Hall, em Nova York. No entanto, eu nunca te vi fazendo uma distinção entre se apresentar lá ou em qualquer cidade do interior, estou errado?CHICO ANYSIO: O Carnegie Hall teve uma emoção diferente. Uma semana antes o Frank Sinatra tinha se apresentado lá. O camarim que eu usava era o mesmo, o mordomo que atendia no camarim era o mesmo... E eu, um ator estrangeiro, uma pessoa de fora do país. Mas ao começar o show ficou tudo igual. Não me deu nenhuma emoção especial, a não ser a de antes do show.

BRUNO MAZZEO: E o que te motivou a continuar viajando tanto e se apresentando Brasil afora até pouquíssimo tempo atrás?CHICO ANYSIO: O teatro completa o trabalho. A televisão é um trabalho lindo, maravilhoso, mas não dá a resposta imediata que um show me dá. Aliás, a grande diferença da televisão para o teatro é que no teatro você pode ser o mesmo, que a plateia muda. Na televisão, você tem que mudar, porque a plateia é a mesma. Tem coisas que só o teatro dá para um artista. Um terceiro sinal cura tudo.

BRUNO MAZZEO: Se eu tivesse que apontar uma só coisa que faltou na sua carreira, diria uma peça como ator. Por que isso não aconteceu?CHICO ANYSIO: Por questões financeiras. Eu sempre ganhei muito mais fazendo meu show sozinho e acabei nem parando para pensar nisso. Apesar de sempre ter tido vontade de fazer uma peça. Queria ter feito o judeu do Paulo Autran em "Visitando Sr. Green".

BRUNO MAZZEO: Desde criança eu viajei o Brasil inteiro com você, te acompanhando nas tuas turnês. E sempre antes de começar, via você se isolando um pouquinho na coxia, caminhando, pensativo. O que passava pela sua cabeça naquela hora, enquanto a plateia se acomodava para esperar a sua entrada?CHICO ANYSIO: Eu estava fazendo minha prece. "Sou filho de Deus perfeito e nada temo. Obrigado, Senhor, por me ser permitido realizar a missão que me foi destinada."

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