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 | Cristiano Castilho/Gazeta do Povo
| Foto: Cristiano Castilho/Gazeta do Povo

Foi providencial. Caminhava apressado, cabeça baixa de gravidade. O piscar do sinal de pedestres, estou a desconfiar, separa os aguerridos dos nem tanto. Pois há quem corra como se uma pequena cólera brotasse de repente. Aquele atravessar de rua, então, transformasse na salvação divina. Há quem desista da vida momentaneamente, coloque as mãos nos bolsos em sinal de desalento e só aguarde o verde. Não avancei: sou dos que espera. Foi só por isso – o tempo está a favor de quem o entende – que vi o que vi.

A frio: 13 homens recostados na parede de um prédio na 13 de Maio, esquina com a Barão do Serro Azul. Mas, sei lá. O despojamento harmônico daqueles trabalhadores, sua forma de descansar na sombra na hora do almoço, sentados na calçada em pleno Centro de Curitiba, a semelhança – obviamente menos estética e mais simbólica – com a histórica foto que Charles C. Ebbets tirou dos 11 homens dependurados no alto da ponte do Brooklyn, em Nova York, fizeram com que a mão no bolso se atiçasse em busca do celular.

Não fui o único. Uma amiga, dias depois, me mandou exatamente a mesma foto. Ora, então havia algo ali. Semana passada, na hora do almoço, investi. Voltei à esquina para reencontrar os homens de capacete azul. Não tinha pauta. Fui ouvi-los.

A obra em que estão metidos é grande. Um dos prédios, residencial, terá 23 andares. O outro, comercial, 15. Haverá uma galeria interligando os dois, como explicou Douglas Moreira, 23 anos, olhos tímidos, um dos 120 trabalhadores contratados. Douglas é carpinteiro. Mora na CIC e gosta de ver as coisas de cima – está erguendo o nono andar, último até agora. Reclama do pouco tempo de almoço – é das 11h30 às 12h30, incluindo o descanso na calçada —, mas elogia o bife acebolado com arroz e feijão que havia acabado de matar no refeitório.

Depois de um estrondo monumental no canteiro de obras, Valdecir Lopes, um baixinho agitado e sorridente, irrompe, elogiando a modernidade do mundo, que facilitou muito a vida daqueles cuja rotina é ferro, cimento e areia. "Mas ainda tem que ter força. Força e vontade", diz. Valdecir também mora no CIC e vem trabalhar de bicicleta todos os dias. É decidido. "Não sei quantos quilômetros dá, sei que vou pra tudo quanto é lugar."

Uma placa avisa que "estamos há seis dias sem acidentes de trabalho". O último foi doloroso. Um rapaz prensou o dedo. Teve fratura exposta e tudo. "Rasgou a pele e quebrou esse ossinho", lembra Valdecir, mostrando a unha preta no dedo anular. "O meu não foi tão grave."

Mas sobre o quê, enfim, conversariam os trabalhadores da foto naquela tarde de terça-feira? "Sobre a obra. Tem jeito, não." É difícil pensar em outra coisa, dizem, por mais que um rabo de saia ainda mova pescoços. Há a minoria que prefere uma soneca na praça do Homem Nu. E quem leia, embora não se saiba o quê.

Por fim, quem chega para o papo é Elevércio Ferreira, morador do Sítio Cercado. Gordinho e simpático, ele deixa claro que o mais chato, disparado, é fazer a fundação. Porque depende do clima. E se chove, vixe. Um possível assunto para o papo do almoço do dia seguinte: Valdecir, 40 anos, fica surpreso ao saber da idade de Elevércio, 36.

— Sou mais velho que você? Não sabia, homem. Cê tá mentindo!

— Tô não, rapaz. Mas cê tá bem. Quarentão, mas tá bem...

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