| Foto: Osvalter Urbinati

Um amigo viajou para bem longe sem dizer tchau. Meu celular não funciona por completo há uma semana. Recebe ligações e ninguém jamais ouve o que digo. Quando ouvem, é bem baixinho. Torna-se um monólogo meio beckettiano. “Oi. Ooooi. Ooooooooooi?!” Nas vezes em que ligo, a história é a mesma. Só há voz do lado de lá. Estou mudo num labirinto. Preciso ligar para o serviço de atendimento ao consumidor e eles jamais me ouvirão.

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Não pudemos nos encontrar durante a semana. Compromissos todos. Por isso o amigo me ligou quatro vezes para dar tchau. Queria eu dizer-lhe boa viagem, tome um vinho por mim (ele está indo para Lisboa), caminhe tranquilamente na calçada do Combro, coma pasteizinhos, veja o pôr do sol na beirada do Tejo, fuja do ônibus de turismo, vá visitar as Torres de Belém, o local exato de onde as caravelas de Pedro Álvares Cabral saíram, e aí mergulhe numa experiência metafísica ao imaginar que você não existiria se os barquinhos não tivessem zarpado. E volte, porque é preciso. Mas contentamo-nos com mensagens de texto, o último recurso. E assim foi.

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Outro amigo mudou-se para Portugal faz seis anos. Há um na França, outro na Austrália. Uma amiga em Barcelona. O André vive em Londres, o Artur em Nova York. E há um conhecido na Hungria. Não tenho ninguém na Islândia. Gostaria de ter um amigo na Islândia. Para que me enviasse fotos da aurora boreal eventualmente, numa dessas tardes em que pegamos o celular e mandamos fotos quando não temos o que dizer.

É um mistério menos doloroso o relacionamento além-mar contemporâneo. A tecnologia encolhe caminhos e relativiza quase tudo. A distância de um oceano inteiro esfarela-se em delays. Tornamo-nos mais conhecedores do mundo, e de nós mesmos, através do outro. Conhecemos verdadeiramente o frio quando vemos a reação de uma cara conhecida à neve de verdade (algo entre a surpresa pura e a brincadeira inofensiva); sorrimos devagar quando vemos a foto de um filhote de elefante (as patas e a tromba já são surpreendentemente enormes!); queremos viajar imediatamente quando a imagem é de uma praia australiana indescritível, com pedras como que esculpidas à mão e o mar da cor de um azul caribenho; somos mais felizes quando alguém dá duro num pub inglês o dia inteiro, te liga para desejar feliz aniversário e deixa escapar uma jojoca.

Não fico tão triste pelo amigo que rumou sem dizer até logo porque ninguém mais mora longe. As pessoas vivem em lugares diferentes. A distância agora é que é feita de outra coisa. Há quem pense diferente, mas a relação virtual que estabelecemos com alguém que está momentaneamente inalcançável é igual em intensidade àquela que tínhamos quando o que nos unia era uma cerveja no Torto. O que não muda é que somos eternos reféns dos outros. Mesmo perto. Mesmo longe.