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O leitor João Carlos Hey comenta a crônica Bota-Fora:

"Vivo às turras com a minha mulher porque ela não consegue se livrar da antiga mania de guardar coisas inservíveis, que ninguém na casa usa mais. Por isso sempre brinco que tenho de morrer antes dela, caso contrário vou ter muito trabalho para desentulhar o ambiente. Tapetes, não sei quantos tem guardados e, meses atrás, mandou lavar um que até agora continua embrulhado, do jeito que veio da lavanderia.

"Mas também tenho das minhas. Máquinas fotográficas, de filme, guardo algumas. Bicicleta, daquelas antigas de dez marchas, há duas penduradas na garagem e outra, mais moderna, que a minha filha não usa mais, atrapalhando na churrasqueira.

"Anos passados a patroa implicou com um órgão eletrônico que meu filho usou poucas horas. Fiz um acordo com ela. Desfaço-me do órgão e você desentulha a garagem e o quarto da empregada, que não temos. Livrei-me do órgão, mas os entulhos dela continuam. Por isso, nunca pague nada adiantado. Eis a lição. E ainda há uma guitarra e um amplificador da minha filha. Já pensei em aprender esse instrumento, mas falta-me paciência. Ainda bem que meu clarinete aposentado não ocupa tanto espaço.

"Curioso é que às vezes ela contrata a filha de uma antiga diarista, que adora organizar as coisas. Então penso, vamos desentulhar. Que nada, é só para mudar os cacarecos de lugar. Vou parar por aqui, que isto já está virando uma crônica."

Bem, João, minha mulher tem duas faces, é entulhadeira e também desentulhadeira. Chega o dia em que ela se enche e resolve desentulhar. Aí tenho de ficar alerta para não perder minha espadinha de lata, última relíquia da infância. Ela pergunta para que serve hoje, respondo esgrimindo nobres argumentos:

– Essa espadinha de lata, toda torta e enferrujada, serve para a gente lembrar como era pobre de brinquedos e rica de imaginação a infância de outrora!

Tá bom, diz ela, e a espadinha volta a seu lugar de honra ao lado de minha escrivaninha. Então chega o neto Caetano e, como sempre, brinca disso, brinca daquilo, enjoa, pega a velha espadinha e duela com piratas fantasmas, gritando e pulando pra lá e pra cá. Até que, ofegante, vem me perguntar porque a espadinha ficou toda torta, conto com orgulho:

– Ela ficou assim de tanto cortar cordas para libertar navios aprisionados, de tanto romper cercas de prisões para libertar companheiros, de tanto esgrimir contra machados bárbaros!

Volto a escrever, mas passo a ouvir uma barulheira que, vou ver, é Caetano malhando pedras com minha preciosa espadinha! Tomo-lhe a espada e ele se defende:

– Eu tava só derrubando a muralha do castelo, vô!

Agora fico com o dilema: deixo a velha espadinha enfrentar seu último desafio e se quebrar em pedaços, ou preservo a relíquia inútil? Prometo que vou resolver o problema sem continuar na próxima crônica.

Uma coisa é certa: é impossível botar fora o coração.

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