Eles deitam, ela boceja mas ele sussurra: vamos discutir a relação?
Porque?! ela se espanta, dobra o travesseiro.
Porque não? Você gosta tanto...
Eu... gos-to?! Ou precisamos? O terapeuta disse que...
É gay, me confessou o que sempre desconfiei.
Ela senta na cama.
É mesmo? Mas porque ele haveria de te confessar isso?! Aliás, porque foi se encontrar sozinho com ele?!
Pra pagar o tratamento, né. Porque a gente tinha de ir juntos se só eu assino o cheque?
Eu falei que a gente podia dividir isso.
Não, você custeia as passagens para as férias.
Ela volta a deitar, devagar, como se os pensamentos pesassem.
Ainda não estou entendendo porque ele ia se abrir assim com você...
Porque eu perguntei, simples e claro assim: o senhor é gay, doutor? E ele sorriu, me olhou com aquela cara de Caetano Veloso e falou sou, sou gay com a graça de Deus.
Na escuridão do silêncio, ouve-se só o suspiro dela, até que:
Bem, por mim, desde que ele seja competente...
E além disso, ele também tem mulher e filhos.
Ela senta num pulo:
Ele o que?!
Ele falou que é gay mas também tem mulher e filhos.
Ela respira fundo, fundo, até sibilar:
I-s-s-o eu não admito!
Ele ter mulher e filhos? Mas nós também temos!
Ela grita:
Não admito é ele ser gay com mulher e filhos! Então é um cara mal resolvido!
Você acha que ele devia discutir a relação com a mulher?
Ela levanta, acende um cigarro, e agora ele é que senta na cama:
Você não parou de fumar?! Daonde tirou isso?!
Do esconderijo no criado-mudo. Você desgosta tanto que menti que parei.
Ele abre a janela.
Fumando escondida... Acho que a gente tem mesmo de discutir a relação, né, a confiança, a sinceridade...
Ela fumaceia feito dragão:
Sim, vamos discutir também as suas cervejas, e aquela vodka escondida no armário!
Você sabia? E porque não disse nada?
Me sentia culpada pelos cigarros.
Silêncio. Ela vai fumar na janela.
Olha que lua...
Ele vai ver, ficam abraçados olhando a lua.
Vou tomar um golinho de vodka.
Mas a gente não ia discutir a relação?
Faremos isso no consultório do terapeuta.
Mas ele não é gay?
É, mas tem mulher e filhos.
Já pensou se a mulher é gay também? Pobres filhos!
Pobres porque? Logo inventam uma bolsa-gay e...
Fecha a janela. Parece que a lua tá olhando.
Tiao, lua! Onde é que a gente estava mesmo?
Na cama, então que tal a gente fazer amor?
É mesmo! Como o terapeuta falou, né.
Esquece o terapeuta. Onde é que escondi o cinzeiro?
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