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Estou no pesqueiro, sentado na sombra de árvore diante da lagoa entre verdes morros – mas ao lado da cerca, de modo que não posso deixar de ouvir a voz saindo de carro que passa na estradinha:

– Eu eu eu eu eu!

Cinco eus, como os dedos, como os sentidos, como as estrelas do Cruzeiro do Sul; e o 5 é o único número formado por linhas retas e linha curva, bem no meio da escada decimal... e também, quando a gente quer mandar alguém pra bem longe, é pro quinto dos infernos!

O carro se foi, só ouvi isso, mas fiquei matutando: o que leva alguém a dizer cinco vezes "eu"?

Fico orbitutando também se também eu não falo tanto "eu" no meu dia, né, meu? E, aqui entre nós, o "meu" é braço do "eu", né?

É mais difícil falar para o outro em vez de falar de si ou pra si ou consigo, tanto que você pouco se vê falando mais "você" do que "eu"!

É tão difícil falar "você" que é um pronome em constante diminuição: começou como Vossa Mercê, virou Vosmecê, você, que a gente fala cê, e na internet, vejocê, virou só c.

(E o Tu, coitado, tão desusado, parece aquela roupa tão nobre que, por isso mesmo, nunca sai do guarda-roupa...)

Entretanto, como é fácil falar mal "dele", né, esse pobre pronome terceirizado. Pois "ele" não está entre Nós, que tanto nos gostamos que nos vemos assim com maiúscula, enquanto "ele" está depois e além, ele vive sua vidinha e nós vivemos a Nossa!

O problema é que (como vive dizendo o Lula) "eles" se vingam: eles falam mal de nós, eles mentem, intrigam, iludem, mascaram seu cinismo, sabotam nossas obras, mascam nossa paciência, trituram nossa reputação, justificando sempre que só fazem isso porque tudo e todos estão sempre contra "eles", que aliás se acham Eles...

Contra Eles, dizem eles, estão as elites, os estrangeiros, os preconceituosos, os excludentes, os arrogantes assim como os aristocratas, os bobos e os lobos, que por isso merecem sofrer os castigos causados pelas línguas deles.

Ou, simplifcando: o problema deles é que Nós somos "eles" para Eles...

O nó de toda a pronominática, a problemática pronominal, é que Nós é o pronome mais difícil. Político, por exemplo, diz que fez estrada, fez escola, fez isso, fez aquilo, nunca dizendo fizemos, sempre fiz, fiz, fiz. O que ele fez mesmo foi assinar a ordem de serviço para as obras, pagas com nosso dinheiro, sugado por impostos embutidos em tudo que compramos. Mas, no fim das contas, quem faz são "eles", e cada um deles diz Eu fiz!

Por tudo isso, tem horas que só nos resta falar a Vós. É pronome solene, forma de ficar bem contigo, Deus?

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