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Aforismos

Reflexões ou Sentenças e Máximas Morais

La Rochefoucauld. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar. Penguin & Companhia das Letras, 112 págs., R$ 14,90.

Presos na grande rede do tempo real, onde as ideias se concentram e se evaporam, quase não há mais lugar para o pensamento profundo. O argumento dominante é o de que as pessoas não têm mais oportunidades para pensar, que elas se tornaram secas e objetivas, e que a mente se detém agora só nos reflexos do imediato. Quatro séculos atrás, porém, o duque de La Rochefoucauld, moralista e pensador francês (1613-1680), já nos mostrava que é possível pensar de forma igualmente espessa e concentrada. Isso se evidencia em seus célebres aforismos, relançados agora com o título de Reflexões ou Sentenças e Máximas Morais.

La Rochefoucauld foi um homem profundamente engajado na vida francesa do século 17. Conspirou contra o primeiro-ministro Richelieu, foi exilado, envolveu-se em intrigas da corte e participou da Guerra Civil Francesa de 1648. Foi um homem da vida – e não um intelectual de gabinete. Isso se expressa na urgência de seus pensamentos, pressa que não exclui, ao contrário exacerba, a profundidade. Sim, é possível ser rápido e ser profundo ao mesmo tempo, e La Rochefoucauld nos demonstra isso. Afiados e vibrantes, seus aforismos desafiaram o século 17 francês – se me permitem uma comparação certamente imprecisa – com vigor semelhante àquele com que, hoje, as mensagens postadas no Twitter nos acossam.

"Nem sempre é por coragem e por castidade que os homens são corajosos e as mulheres são castas", ele nos diz. "Nossas virtudes são apenas, no mais das vezes, vícios disfarçados". Caracteriza-se o pensamento de La Rochefoucauld, antes de tudo, pela impetuosidade. Não escrevia para agradar, mas para fustigar. Com fervor, ele nos admoesta a respeito das facilidades do pensamento, das ideias automáticas e das conexões simplistas. "A paixão faz muitas vezes do homem mais hábil um louco, e hábeis os mais tolos", escreve, invertendo nossa maneira costumeira – e preguiçosa – de observar o mundo. Apegado ao poder da razão, a loucura, que a delimita, é um de seus temas favoritos.

"Os loucos e os tolos só enxergam por seu humor", escreve. Mas a loucura pode ser também um elemento sadio, tudo dependendo de como a usamos. "Às vezes acontecem acidentes na vida dos quais é preciso ser um pouco louco para bem se safar". A leitura dos aforismos de La Rochefoucauld se desenrola como em um jogo. Não necessariamente os lemos em linha reta, mas dando saltos, buscando conexões ocultas, procurando sentidos esquecidos – exatamente como fazemos, se a utilizamos com sabedoria, com a navegação na internet. La Rochefoucauld trabalha por camadas: um aforismo expande, corrige, esclarece o outro, como acontece em mais esse pensamento sobre a loucura: "Há meios de curar a loucura, mas não os há para endireitar uma mente extraviada".

Se soube pensar com firmeza, La Rochefoucauld foi também um homem consciente dos riscos que envolvem a arrogância humana e seu pensamento. Levava em conta a parte imperfeita que nos completa. "Se há homens cujo ridículo nunca se revelou é porque não se procurou bem", escreve, exercitando outra de suas qualidades mortais: o elegante humor. Pregava a ponderação e o equilíbrio. A grandeza do caminho do meio é expressa assim: "Nunca somos tão felizes nem tão infelizes quanto imaginamos". Pensador radical, ele foi também um defensor do bom senso como tempero necessário à vida. "A boa vontade é para o corpo o que o bom senso é para o espírito", nos diz. Pregou a sábia desconfiança e a aposta no prudente silêncio. "O silêncio é o partido mais seguro de quem desconfia de si mesmo". Diz, em outro aforismo: "Falamos pouco quando a vaidade não nos faz falar".

Conhecia e incluía as múltiplas fragilidades do homem, que ele expressa assim: "É uma espécie de afetação observar que nunca a demonstramos". O senso do ridículo e também da impotência são elementos fundamentais de suas ideias. Áreas perigosas, em que um pequeno erro pode voltar-se contra seu próprio autor. Admite: "Estamos tão acostumados a nos disfarçar para os outros que afinal nos disfarçamos para nós mesmos". O que parece bom pode ser mau, e o contrário também. Ensina todo o tempo que não devemos nos apegar a nosso pequeno poder, nem a nossas miseráveis vitórias: "Se resistimos a nossas paixões, é mais por sua fraqueza do que por nossa força", nos adverte.

La Rochefoucauld conhecia os frágeis limites de nossa sabedoria. "É mais fácil ser sábio para os outros que para si mesmo", aconselha. Mas acreditava também na capacidade de transformação do homem, crença expressa em um aforismo como este: "A fraqueza é o único defeito que não se consegue corrigir". Ela pode nos levar a avaliar erradamente o que somos, pode nos conduzir a grandes e perigosos enganos. Diz: "Há repreensões que elogiam e elogios que amaldiçoam". Daí a necessidade, em que ele sempre insistiu, de que tomemos posse de nós mesmos. Sim, nesse caso devemos conviver com defeitos, imperfeições, até mesmo com abominações; mas esta posse é o único caminho seguro que a vida nos oferece. Escreve: "Mais difícil é impedir que nos governem do que governar os outros". Ter defeitos, em si, não significa ser derrotado. Diz La Rochefoucauld: "Há pessoas repugnantes apesar de seu mérito, e outras que agradam apesar de seus defeitos".

Pensar, para La Rochefoucauld, era uma maneira de escavar. Os pensamentos, porém, não caminham na mesma direção. Como acontece hoje na grande rede de computadores, eles se chocam, se combatem, se desmentem, se ampliam. É preciso aceitar essa instabilidade do saber se desejamos viver com alguma plenitude. Diz o filósofo: "Poucos são sábios o bastante para preferir a crítica útil ao elogio que os trai". Mesmo os bons pensamentos podem resultar do mal, e não do bem: "Difícil é julgar se um procedimento claro, sincero e honesto é efeito da probidade ou da astúcia". La Rochefoucauld tinha imensa habilidade para não se deixar enganar pelas próprias ideias. Que disparava, em mensagens breves e certeiras, colocando-as à disposição do mundo.

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