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Os dois se conheceram muito jovens. Gustavo tinha 19 anos e Flora, 14. Ele era magrinho, miúdo e tocava guitarra. Ela era frágil e magra. E adorava cantar rock. Sendo ambos apaixonados por Jimi Hendrix e Janis Joplin, chegaram à conclusão e estavam fadados a viver juntos para sempre.

Contra tudo e contra todos – quer dizer, contra a opinião de pais, parentes, amigos, irmãos, al­­guns vizinhos enxeridos e sem le­­var em conta o fato de que não ti­­­nham profissão nem trabalho fixo – resolveram casar. Afinal, o so­­­nho ainda não acabara. Jimi Hendrix e Janis Joplin lhes dariam suas bençãos, onde quer que estivessem. Tinham os corações cheios de es­­­peranças. O futuro estava logo ali.

Mas, ao chegarem logo ali, no futuro, descobriram que Gustavo, pequenino e magro, parou nos seus um metro e cinquenta e quatro, enquanto que Flora crescia com a determinação de um bambu em tempo de chuva. Tornou-se uma mulher alta, atlética. Forte, não gorda. Gostava de esportes, o que só descobriu lá pelo quinto ano de casamento. Ele, miudinho, seguiu pequeno e jamais correu atrás de bola, nunca pedalou bicicleta e se tornou um curtidor de fil­­­­mes vistos na televisão–ir ao ci­­­nema lhe parecia uma maratona.

Por isso, a partir de um certo momento–e nem eles saberiam determinar quando–começaram a discutir.

–Você cresceu demais, resmungava Gustavo.–Não me culpe pelo fato de você ser baixinho.

–Baixinho, vírgula! Só não me transformei, como esses seus amigos de academia, num... num rinoceronte.

– E eu sou um rinoceronte, por acaso?

– Eu não disse isso.

–Não disse, mas quis dizer exatamente isso. Você é que parou, tá me entendendo? Parou.

A discussão era repetitiva e em­­pacava por aí mesmo. Cada um se vi­­rava para um lado. Gustavo de olhos fixos na televisão, vendo filmes. Flora fazendo exercícios com dois halteres.

Alguns dias depois–ou horas, dependia –ele dizia:

– Não acha que seus ombros parecem de halterofilista?

– Tenho um corpo perfeito e perfeitamente feminino. Não chateie.

– Perfeito, é verdade, ele concordava. Mas você cresceu demais.

– Já vai começar de novo?

– Será que você não poderia diminuir um pouco?

Ela largou os halteres no chão com algum estrondo e perguntou:

– E pode me dizer como vou diminuir?

– Evitando essas vitaminas que toma, por exemplo.

– Isso não engorda nem faz cres­­­cer. Isso cria massa muscular.

– Mas, quando nos conhecemos, você não era...

Nem esperou ele responder. Tinha uma explicação na ponta da língua:

–Meu pai era um homem gran­­de. Alemão. Um metro e oi­ten­­ta e nove. E minha mãe tinha um metro e setenta e oito. Polaca. Pa­­ra a geração deles, eram muito gran­­des. Já os seus pais, lá do litoral...

– Não meta meus pais nessa história! Além disso, você tem um metro e noventa!

Ela ergueu um dedo em fúria:

– Um metro e oitenta e sete! Nem um centímetro a mais. Você é que tem centímetros a menos.

–Olha lá o que está insinuando!

– Não estou insinuando nada. Você é que poderia crescer um pouco. Fazer exercícios, tomar vitaminas, sei lá! No fundo você tem vergonha de ser baixinho. E tem vergonha da minha altura. Simples assim.

Apesar desses profundos debates, nem ele cresceu e nem ela di­­­mi­­­nuiu. Separaram-se. Gustavo fi­­­cou no apartamento, pois tudo ali fora adaptado à sua altura–os armários, as pias, até mesmo a ca­­ma, ao pé da qual Flora colocava um pufe para poder esticar as pernas. Ela mudou-se para um apartamento maior, comprou uma cama enorme, estantes altas, dispensou ban­­­quinhos para abrir os armários.

Quando se encontravam, Gustavo reclamava que era uma provocação ela usar saltos plataforma. Ficariam bem em você, ironizava ela, pedindo que ele segurasse seus halteres, o que deixava os braços dele espichados até os joelhos.

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