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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

No clássico O Retrato de Dorian Gray (1890), romance gótico do escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900), o protagonista, um jovem aristocrata apaixonado por si mesmo, é atormentado pela ideia do tempo. Teme que o passar dos anos aos poucos corroa sua beleza. Quando, em um pacto sobrenatural e algo diabólico, lhe é ofertada a possibilidade de se manter imune ao envelhecimento, Dorian firma o contrato: permanecerá em vida idêntico à imagem de uma pintura, para ele a reprodução fiel e exata de sua perfeição. O que desconhece é que o quadro entrará em mutação, ganhando não rugas, mas rastros de sua personalidade perversa, fazendo emergir, por ironia, uma feiura essencial, que apenas se agrava.

O retrato acaba escondido, exilado no sótão, como a prova de um crime. Uma reprodução de sua face mais horrível.

Caso não vivesse na Inglaterra vitoriana, mas nos dias atuais, tempos nos quais a vocação narcísica de muitos se vê potencializada pela fartura de ferramentas tecnológicas, Dorian seria, provavelmente, um ardoroso adepto das selfies. Um dândi onipresente nas redes sociais, enfim. E, quase com certeza, não se sentiria tão só em seu medo de envelhecer.

A juventude, seja ela na aparência física ou no comportamento, se tornou uma espécie de obsessão, como se ela pudesse se estendida, magicamente, ad infinitum. E não apenas por bisturis e procedimentos estéticos. Há uma fobia compartilhada por muitos de perder o viço não apenas da pele, mas do espírito. Como se parecer, ou soar mais velho, fosse um tipo de obsolência muito indesejada, quando, na verdade, a jovialidade encruada, performática, é que acaba denunciando uma alma enferrujada, incapaz de dialogar com o tempo. Sem dele se tornar refém.

E as selfies? Muito divertidas quando o momento do clique é compartilhado pelos que se espremem no mesmo frame, elas também guardam, enquanto autorretratos, um aspecto apavorante. Sobretudo na reincidência, na insistência com que são substituídas, ou enfileiradas, em demonstrações explícitas de exibicionismo digital, que nem sempre se confirma na materialidade bem mais tímida do aqui e do agora. Do presencial. São ao mesmo tempo provas de vida e atestados de artificialidade.

Talvez fosse mais fácil para Dorian Gray viver em 2014. Em vez de um pacto sinistro, ou de um incômodo retrato no sótão, talvez lhe bastasse um perfil bastante ativo no Facebook, onde a perfeição e a juventude estariam sempre ao alcance de seus dedos. Eternizada, sinteticamente, na sua timeline.

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