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O pipoqueiro Didi foi tema de um perfil publicado em série da Gazeta do Povo. | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
O pipoqueiro Didi foi tema de um perfil publicado em série da Gazeta do Povo.| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Sou um apaixonado por História. Essa mesma, com inicial maiúscula, que nos ajuda a compreender de onde viemos, analisar com mais propriedade o hoje e a pensar no futuro não apenas como mero exercício de adivinhação. Todo jornalista, penso eu, deve compartilhar comigo esse interesse, já que que, de certa forma, somos operários nesse contínuo processo de ir ao mundo, à dita realidade, buscar fatos relevantes, comportamentos, fenômenos econômicos, personagens, visíveis ou não, para ajudar a construir a memória do tempo presente. Uma responsabilidade imensa, mas que torna o que fazemos sempre mais interessante e desafiador.

Gosto especialmente do que chamam na academia de Pequena História, aquela que não se ocupa, necessariamente, da vida política, dos grandes vultos ou de processos sociais, mas do detalhe, do aparentemente insignificante. Daquela modalidade de abordagem histórica que vai focar no figurante da superprodução que é a vida real.

Interessou-me, recentemente, saber o que pensa, como vive e a trajetória de um pipoqueiro que há décadas alimenta e empresta sua amizade aos estudantes, funcionários e professores do antigo Cefet, hoje Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Esse personagem, não inventado por mim, foi protagonista de um perfil comovente e profundamente humano assinado por um colega de equipe no Caderno G, o jornalista Cristiano Castilho, e publicado pela Gazeta do Povo no dia 10 de outubro deste ano.

Didi, o tal pipoqueiro, esteve por pelo menos duas décadas no meu horizonte. Morei boa parte da adolescência e da idade adulta na Rua Alferes Poli, no bairro Re­­bouças. Passei por seu carrinho, provavelmente, inúmeras vezes, quando ia a pé ao Centro pela Westphalen, ou parava para encontrar amigos que estudavam e lecionavam na antiga Escola Técnica. Ele sempre esteve lá e eu jamais havia percebido sua existência. Fazia parte do que a jornalista gaúcha Eliane Brum chama de "o mundo que ninguém vê", não à toa o título de seu brilhante livro de perfis de personagens anônimos da grande Porto Alegre.

Essa invisibilidade não é privilégio de Didi. Cada vez mais temos menos tempo para prestar atenção ao corriqueiro, ao ordinário. E isso é preocupante.

A trajetória de perdas e danos vivida por Didi, dono de uma espetacular coleção de discos de vinil e de uma invejável vontade de viver, é de absoluta relevância para a História do Brasil. Porque é ao mesmo tempo trivial e singular. Sei que podem existir similares, mas nenhum exatamente como ele. Como é incomensurável o impacto afetivo que Didi teve ao longo dos anos nas vidas de milhares que passaram pelo seu carrinho de pipocas. A certeza de acolhida, do sorriso amigo e reconfortante, não é quantificável. Quanto vale a simpatia? Mas o pipoqueiro não é menos importante em seu anonimato relativo.

Como já disse no início deste texto, adoro História, especialmente a do Brasil. Já li biografias de d. Pedro II, Joaquim Nabuco, Getúlio Vargas. Mas entendo que, para que esse grande espetáculo que é a nossa saga de 510 anos faça algum sentido, eu também preciso cada vez mais saber da vida de gente como Didi, o homem que por mais de 20 anos eu deixei de enxergar. Essa é a força mansa, porém transformadora das pequenas histórias, com as iniciais minúsculas mesmo.

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