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O elenco de Kafka – A Vigília, com Evandro Santiago em primeiro plano | Chico Nogueira/Divulgação
O elenco de Kafka – A Vigília, com Evandro Santiago em primeiro plano| Foto: Chico Nogueira/Divulgação

É comum ouvirmos que esse ou aquele ator tem talento, "é muito bom". Quanto seria sorte, e quanto, suor? Dizem que, se elogiar muito, estraga.

Vários autores já trabalharam com o tema da oposição entre o talento inato e o trabalho duro, como T. S. Eliot (1888-1965) em O Bosque Sagrado: Ensaios sobre Poesia e Crítica (1920). Ali, o crítico e escritor norte-americano afirma que "talvez não só as melhores partes do trabalho [do poeta], mas as mais peculiares, sejam aquelas em que os poetas mortos, seus ancestrais, mostram mais vigorosamente sua imortalidade".

Ele defendeu o valor da tradição, em oposição a uma mentalidade que prega a existência de genialidades absolutamente inovadoras. "Não há nada de novo debaixo do Sol", avisava Salomão em seu "Eclesiastes".

Mas nascer debaixo do mesmo céu de Nelson Rodrigues não basta para sair criando pérolas dramatúrgicas. "A tradição não é herdada; se você a quer, precisa obtê-la por meio de muito trabalho", acrescenta Eliot.

Me impressiona ainda a afirmação de que "o processo de um artista é um autossacrifício contínuo, uma extinção contínua de personalidade".

Deve ser essa a corrente seguida por diretores de teatro que acreditam em melhorar a performance de seu elenco pela imitação. Em vez de exigir que criem ótimas sacadas na frente do espelho e tragam algo pronto para a sala de ensaio, reproduzem os movimentos do pupilo para que esse se enxergue pelos olhos do mestre e, eventualmente, melhore.

Foi o que fez o músico do Théâtre du Soleil Jean Jacques Lemêtre com atores curitibanos, durante sua última passagem pela cidade. Haja humildade.

Foi humilde, por exemplo, a atitude do jovem ator Evandro Santiago, que, após sua estreia em Kafka – A Vigília, na noite de quinta-feira, passou entre os convidados agradecendo a todos pela presença. Assim como foi bom seu comportamento na vida real, sua presença em cena chama a atenção pela verdade que transmite, sem apelar a representações-chavão, como a raiva desmesurada, a agressão novelística, a gritaria fora de hora.

Pena que ouvir

opiniões sobre o próprio resultado, venham elas de alguém a quem se reconhece ou não, fique tão difícil numa sociedade que preza a genialidade.

Pode-se dizer que os verdadeiros gênios nunca perdem a noção de seu ridículo. O cineasta Woody Allen calcou vários de seus quase 50 filmes no questionamento do próprio trabalho e de sua imagem. Fez isso em Stardust Memories (1975), em que interpreta um cineasta famoso assediado durante as 24 horas do dia por fãs que pedem autógrafos e seu apoio para causas tão diversas quanto a preservação do patrimônio histórico e a luta contra o câncer. "Será que devo largar o cinema e virar missionário?", ele pergunta, no longa-metragem, a um extraterrestre que diz ter QI equivalente a 600, pelas medições humanas.

"Não", responde o ser, "você não faz o tipo. Apenas tente contar piadas mais engraçadas". Que nossos atores acrescentem ao talento muito trabalho duro e venham ótimas estreias – seguidas por uma crítica local cada vez mais atuante e profissional – neste fim de 2012.

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