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Meryl Streep como Margaret Thatcher idosa, em A Dama de Ferro: mesmo os poderosos são passageiros da vida | Divulgação
Meryl Streep como Margaret Thatcher idosa, em A Dama de Ferro: mesmo os poderosos são passageiros da vida| Foto: Divulgação

A filha de uma amiga levantou-se de madrugada e foi até o quarto dos pais, de pijama e meias, o cabelo desgrenhado. "Mãe, eu não quero morrer." Sabe lá no quê ela estava pensando, deitada na cama. A menina tem 4 anos de idade. O fato de que à tarde a família assistira ao Bambi na tevê talvez possa explicar de onde surgira a inquietação. Mas o episódio, a mim relatado via Skype como mais uma das frases impressionantes produzidas pela garotinha, continua me voltando à mente.

Pensei no que eu teria respondido. Quem sabe: "Filha, você tocou num ponto crucial da existência humana. Fico feliz de estar criando alguém com tamanha capacidade de abstração nesse estágio inicial da vida."

Algo me diz que o resultado teria sido de médio para ruim. Eu poderia me esforçar um pouco mais e abrir um leque de explicações, deixando que minha prole escolhesse uma delas. "Veja, meu amor, mesmo as pessoas não religiosas costumam acreditar que a vida não acaba por aqui, que existe algo depois, em geral resumido como ‘céu’. Obviamente, a incerteza sobre o que é possível ou não continuar a fazer nesse lugar além da terra traz insegurança. Normalmente, costuma-se enxergar o período entre a primeira e a última inspiração de ar nos pulmões como aquilo que realmente importa, e o que vier depois entra como lucro. É claro que essa tendência acaba por adicionar pressão à já periclitante condição pela qual nossos recursos de tempo são limitados e, à medida que ele se esgota, pouco a pouco, seguimos por uma dessas duas direções: ou nos satisfazemos com o que está feito e agarramos o que resta com ainda mais vigor, ou, querida, nos desesperamos sem saber direito o que fazer, com receio do que os outros dirão de nossos atos ou do que possa advir como consequência deles. Resta ainda outra opção, que seria a de não pensar sobre nada disso."

Felizmente, minha amiga é mais sábia e despachou a filha para a cama, tranquilizada, ao garantir: "Você não vai morrer". Acrescentou depois "Só quando for beeeem velhinha", mas nisso a menina já dormia.

Como o assunto estava pairando sobre mim, não puder deixar de apreciar a abordagem que o filme A Dama de Ferro faz do envelhecimento e da decadência da memória e da razão. Esse talvez seja o maior mérito do filme que pode dar o Oscar de melhor atriz a Meryl Streep amanhã. De resto, o longa foi considerado fraco pela crítica, ao abordar a ascensão e queda de Margaret Thatcher ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido por um viés supostamente mais subjetivo do que as costumeiras biografias, só que com boa dose de clichês. Os vários diálogos que a mandatária mantém com o marido ou sozinha servem porém como um estímulo a nos colocarmos na posição de "passageiros". Por mais que alcancemos um alvo aparentemente inalcançável (seja o de presidir a República, se casar ou descobrir a cura de uma doença fatal), a melancolia do fim é inevitável. Melhor esperar por algo mais para depois.

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