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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Estava dirigindo em alta velocidade por uma avenida quando levei a mão ao câmbio para aumentar a marcha. Já estava em quinta.

A pontada no estômago me fez pensar em como seria bom me contentar com menos. Em vez de ir mais rápido, engatar uma quarta e relaxar.

Então tentei. A primeira coisa que percebi é que, para ficar no time da velocidade média, é preciso sair da pista da esquerda, para evitar a desagradável luz alta e o pisca nervoso avisando que aquele não é o seu lugar.

E me dei conta de que, na pista do meio, encontrara o meu lugar. É mais confortável estar na média, com a possibilidade de acelerar se a coisa apertar.

Outra vantagem é que a desaceleração requerida para trafegar em quarta marcha, na pista do meio, acaba vazando para outras áreas da vida, como o simples ato de conversar com alguém. Em quinta, fala-se de coisas demais, rápido demais, sem um enfoque certeiro e sem olhar de verdade para as pessoas. Jogue a primeira pedra quem nunca perdeu a linha de raciocínio porque estava controlando, com o rabo do olho, a entrada e saída de outras pessoas na sala.

Em quinta, só aceitamos falar de novidades, assuntos quintessenciais de importância maior, a ponto de acabar em tédio quando nada disso está à disposição.

Na tentativa de me curar desses hábitos, engatei uma quarta e iniciei um projeto de valorização dos assuntos supostamente menores. Falar de esmaltes. Dar e pedir receitas. Perguntar com vontade sobre o primeiro dia de aula do filho da vizinha.

Sabe que dedicar interesse às coisas acaba tornando-as mais interessantes? O que era para ser uma etapa experimental de desaceleração se tornou um prazer, e hoje estou sempre disponível para papos que envolvam estética e culinária.

Outra consequência de trafegar em quarta marcha foi começar a falar com estranhos em salas de espera, em vez de me angustiar com a demora. Pode ser pouco curitibano, mas a identidade de repórter me permite essa extravagância. Num desses acessos de simpatia, abordei uma socióloga que, segundos depois, estava me apresentando sua tese de que o tempo mudou. Quando tinha crianças pequenas, ela se lembra de fazer muitas coisas em tardes longas, mas hoje observa que a filha não dá conta de todas as obrigações e está quase louca.

Não sozinha. Falta de tempo já é uma epidemia. A ponto de, quando alguém nos conta sobre algo bem bacana que desejaríamos ter feito também – ficar ao Sol enquanto o carro é lavado, ler Guerra e Paz inteirinho, aprender a técnica de papel machê – fazermos algo muito feio: lascamos um "e eu lá tenho tempo para essas coisas?"

Será que o problema é o acúmulo de atividades ou o fato de que virou sinal de status não ter tempo? É chique andar rapidinho e revirar os olhos no sinal vermelho quando o motorista da frente não anda.

Minha nova amiga socióloga concluiu que as pessoas só irão recuperar o tempo perdido quando se derem conta dessa doença contemporânea. Para me prevenir contra a contaminação, no momento trafego em terceira marcha, pela pista da direita. Quem sabe ainda compre uma bicicleta.

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