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 | Felipe Lima / Gazeta do Povo
| Foto: Felipe Lima / Gazeta do Povo

Há algo muito tentador em não fazer planos. Nem que seja por um curto período de tempo.

Se o passado pode ser, para muitos, um fardo difícil de carregar, e acaba lotando os consultórios de psicoterapeutas e analistas mundo afora – e isso na melhor das hipóteses –, ter a obrigação de pensar no futuro pode ser tão estressante quanto lidar com essa bagagem toda. Ainda mais que, com frequência, não sabemos ao certo o que há no interior dessas malas que somos forçados a carregar de lá para cá.

Outro dia, caminhando meio sem rumo pelo centro de Curitiba, durante as férias, me flagrei imaginando como seria bom se a ideia de um porvir me abandonasse por um tempo. Se, por um acidente neurológico, ou um passe de mágica só viável no âmbito da ficção, minha cabeça passasse a apenas se importar com o presente.

É óbvio que isso não seria possível.

Projetar o que vamos (ou desejamos) viver pela frente é inerente à natureza humana, mas por vezes tenho a sensação de que o hoje é mero detalhe transitório entre experiências já vividas – amores, perdas, frustrações e triunfos –, muitas não superadas, e a possibilidade concreta de tudo vir a acontecer de novo. Ou não.

Enquanto isso, nos equilibramos com um pé lá e outro cá, em uma eterna tentativa de não cair da corda bamba. O presente acaba sendo o fio da navalha. Sempre afiado e enganador.

Estudos sobre obras literárias e filmes cujas ações se passam em um futuro, mais ou menos distante, são quase unânimes na constatação de que todas as projeções tomam como base inquietações do presente. Exemplo disso é o romance 1984, clássico futurista e distópico do escritor britânico George Orwell, publicado em 1949, como uma espécie de reação e libelo contra regimes fascistas e autoritários, sob o efeito das feridas ainda muito abertas pela Segunda Guerra Mundial.

Diante do trauma do nazifascismo e do fortalecimento do modelo stalinista e totalitário na União Soviética, ou do capitalismo sem freios dos Estados Unidos, Orwell imaginou uma sociedade destituída de individualidade, na qual o Estado tudo pode e sabe. O futuro, enfim, o atormentava. E também era uma forma de entender melhor o presente, que acaba sendo um tipo de sonho muitas vezes apenas compreensível, quando muito, a posteriori.

Divagações à parte, confesso que há poucas coisas na vida mais prazerosas do que caminhar sem rumo. Apenas ser. No infinitivo. Sem pretérito ou futuro.

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