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Esses nomes marcam a trajetória da pintura no Paraná, do academismo erudito à espontaneidade inculta, do figurativismo ao abstracionismo, do tradicional ao moderno e ao contemporâneo. Foi o percurso normal do semelhante para o diferenciado, das várias modernidades (uma delas sendo o academismo no seu tempo) para as que passaram a substituir-se uma às outras, porque o "moderno" de cada momento está condenado, por definição, a academizar-se, cedendo espaço e prestígio às modernidades seguintes. Figura de espírito, a história da arte é, na verdade, a história dos artistas que lhe dão consistência e realidade. (Ennio Marques Ferreira. 40 anos de amistoso envolvimento com a Arte. Curitiba: Fundação Cultural, 2006).

Nesse processo, Ennio Marques Ferreira foi o "parceiro da história", escreve Aroldo Murá G. Haygert na introdução, "o mais fértil realizador e dirigente de instituições culturais que o estado teve [...]. E, por que não dizer, também, um respeitável crítico de artes plásticas?". De fato, no meio século que se inicia com sua atividade crítica e, em particular, com a Galeria Cocaco que fundou em 1957, ele esteve no centro e foi o motor da vida artística paranaense num dos seus momentos mais brilhantes e vigorosos: "A Cocaco se tornara, então, o obrigatório ponto de encontro da intelligentsia de uma Curitiba na qual não constava a ‘arte-hobby’ ou o ‘diletante profissional’ da pintura, desenho e escultura, ou os lamentáveis socialites que hoje preenchem as noitadas de vernissages, infladas por promoters de arte, quase sempre de apelo maior que a obra exposta". (Aroldo Murá).

Digamos, entre parênteses, que Aroldo Murá revela animosidade algo inoportuna, porque os comerciantes de quadros e as classes ricas são, nesse contexto, tão essenciais e indispensáveis quanto os próprios artistas que deles dependem para existir. Pouco importa que, segundo o anedotário corrente, distinta senhora da alta sociedade, tendo ouvido louvar um pintor "moderno", tenha proposto comprar-lhe as molduras, já que nenhum dos quadros lhe agradara... Em face de historietas como essa, percebe-se o alto papel educativo exercido por Ennio Marques Ferreira nesses 40 anos de modesta pedagogia (e invulgar modéstia pessoal), mais as lições de sensibilidade, sem exclusivismos de estéticas e escolas, em paralelo com os altos postos que ocupou em órgãos públicos de cultura, sempre num incansável apostolado junto aos artistas e à sociedade.

Quis o destino que coroasse sua carreira de homem público na direção da Casa Andrade Muricy, criada em Curitiba (1998), ela própria monumento erguido à memória de outro paranaense, emblemático em nossa crítica de arte e na historiografia literária, como o insuperável Panorama do movimento simbolista brasileiro, matéria em que era e continua sendo mestre absoluto. Desde a sua criação, escreve Ennio Marques Ferreira, "sentia-se a necessidade da inclusão, ao lado das seletivas mostras nacionais e internacionais ali realizadas, da produção coletiva da atual safra da arte paranaense que, superando o conformismo, deu passos corajosos e personalísticos em sua trajetória".

Trajetória em que, de Alfredo Andersen a Kambé, cada momento pode ser idealmente identificado ao longo dos anos com um nome representativo. O acaso, que faz bem as coisas, tornou cronologicamente contíguos neste volume os capítulos respectivos, espécie de justiça poética a que não devemos permanecer insensíveis. Na história local das artes plásticas, Andersen foi o herói civilizador, emblemático também do "Brasil diferente" em sua formação social, política e econômica: poucos, mas importantes para o desenvolvimento da história da arte do Paraná foram os estrangeiros que, por razões várias, aqui chegaram no decorrer do século 19, prestando, com seu exemplo e atividade profissional, uma sensível ajuda à formação do nosso substrato cultural". Nascido na Noruega, veio para o Brasil, acabando por se radicar na capital paranaense, "uma pequena e provinciana cidade de clima ameno nos seus 900 metros de altitude, onde, com exemplar dedicação, trabalhou por mais de trinta anos à frente de cavaletes no atelier, nas salas de aula ou em contado direto com a natureza e a ambientação urbana de Curitiba e arredores. Dificilmente teríamos condições, hoje, de avaliar quais teriam sido os desdobramentos da história da arte paranaense sem a estimulante presença, aqui, desse talentoso norueguês, pintor viajante que, um dia, arribou nas exóticas terras brasileiras... formador de uma geração de bons pintores, muitos dos quais puderam continuar a missão educativa do mestre".

As duas primeiras décadas do século "podem ser consideradas um verdadeiro divisor de águas, graças ao trabalho orientador de Alfredo Andersen e de seus melhores discípulos [...]", entre eles Theodoro de Bona, cuja obra iria marcar o que podemos ter como o período seguinte: "Colocando-se ao lado e no mesmo nível dos veteranos companheiros, De Bona teve sobre eles a vantagem de deixar uma obra substancialmente mais ampla e diversificada. Isso em razão não apenas de ter trabalho até uma idade mais avançada mas também, e notadamente, pelo enriquecedor convívio com os pintores de Veneza e do Rio de Janeiro, quando de sua prolongada estada nessas cidades".

Daí para a frente, de ano para ano, de safra para safra, sucedem-se os nomes marcantes, da mesma ou de diferentes famílias artísticas, todas transmitindo umas às outras o legado comum, quase como no primeiro capítulo do Gênesis: Anderson gerou De Bona, que gerou Viaro, que gerou Poty, já na época modernista que, academizada e aliás mal recebida, chegou ao Paraná com 20 anos de atraso, tudo simbolizado, se quisermos, na revista Joaquim, criada nos anos de 1940 e na qual, no que se refere à arte, Poty foi o nome emblemático.

Nos finais da década seguinte, em "decorrência do movimento de renovação cultural ocorrido em Curitiba" (Cocaco!), o meio "sentiu a necessidade de ver revitalizado o tradicional Salão Paranaense de Belas Artes [...]", entidade que se distingue, como em qualquer parte do mundo, tanto pelos admitidos quanto pelos recusados. Em outras palavras, o imperativo de organização coletiva, a ânsia de reconhecimento por parte de uma sociedade ao mesmo tempo interessada na "arte" como símbolo de status e investimento econômico, integrou as atividades artísticas no mundo contemporâneo, o mundo em que vivemos.

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