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Segundo Álvaro Alves de Faria, "o Brasil está caindo aos pedaços... a literatura não fica fora disso, incluindo especialmente a poesia... mas no geral o cenário é deprimente... a poesia brasileira chegou ao marketing... os tecnocratas da poesia no Brasil querem a morte da poesia... Na verdade, este é um país de muitos poetas e pouca poesia. O que vale é a política literária... sou um poeta amargo em relação à poesia produzida atualmente neste pobre país" (Pastores de Virgílio: a Literatura na Voz de Seus Poetas e Escritores. São Paulo: Escrituras, 2009).

Vai daí ele organiza uma antologia de 301 páginas com 37 poetas (mais dois portugueses para boa medida), numa galeria que se estende de Affonso Romano de Sant’­Anna e José Paulo Paes a José Nêu­manne e Raquel Naveira, sem esque­­cer Alexei Bueno, Antônio Carlos Secchin. Miguel Sanches Neto, Marina Colasanti e mais os necessários para perfazer o total de quarenta, desmentindo o que o organizador afirma na introdução. Se há quatro dezenas de poetas escrevendo atualmente no Brasil, a situação não é tão desesperada quanto parece, sabendo-se que o número não chega a tanto em numerosos outros países, sem excluir os mais ilustres.

A sutilidade de perguntar obsessivamente, como se faz ao longo deste volume, "para que serve a poesia?" foi respondida de público por um galato, conforme refere Celso de Alencar: "ao proferir uma palestra, indaguei a um jovem, do colegial, "para que servia a poesia. Sua resposta: ‘pra mandar pra namorada’". Resposta desmistificadora para um inquérito em que os poetas, justamente por terem sido procurados, acharam conveniente responder de forma "profunda" e quase sempre pedantesca, sem esquecer a advertência de Alexei Bueno: "este é um país de muitos poetas e pouca poesia: o que vale mesmo é a política literária". Essas apreciações amargas, e notadamente a de Álvaro Alves de Faria, deixam entrever ressentimentos profundamente enraizados e, creio eu, incuráveis: "Este é um país em que tudo apodrece: a poesia, as pessoas, a literatura, a política, o jornalismo, a universidade".

Se isso fosse verdade, Álvaro Alves de Faria teria alguma dificuldade para justificar a publicação do livro e os editores todas as razões para recusá-lo. Alexei Bueno deu ao problema a resposta ao mesmo tempo óbvia e inevitável: a finalidade da arte está nela mesma. É um exercício de hedonismo intelectual que só encontra justificação na própria necessidade: "Há coisas que são e coisas que servem. Será que alguém já se postou perante "A jangada-da Medusa" de Géricault e perguntou ‘para que serve’? Para que servem o Apolo de Belvedere, a Sétima sinfonia de Beethoven, a "Tabacaria" de Fernando Pessoa, o Partenon? Para que serve o Pão de Açúcar ou as cataratas do Iguaçu? Essas coisas são, não servem, e são os marcos para a nossa própria condição de ser" (Alexei Bueno).

Sim e não... O conceito de beleza (ou, na verdade, o de sua utilidade estética, oxímoro inevitável) é subjetivo por definição e por isso já se disse que não há beleza na natureza: as cataratas do Iguaçu não possuem nenhuma beleza intrínseca, mas a beleza que lhe conferimos, a beleza convencional das convenções artísticas aceitas. E ai que se situa o paradoxo de Pascal: achamos belo o retrato de uma pessoa feia: Mário de Andrade dizia que há tanta beleza num raio de luar quanto numa réstea de cebolas (o que ficou abundantemente provado pelos pintores).

Em todos esses debates, parece-me sempre que os críticos têm razão no que afirmam mas não a têm no que negam porque as negações tendem a ser radicais e simplificadoras. Assim, quando Alexei Bueno afirma que o Concretismo foi o Parnasi­­a­­nismo da República Positivista e o Concretismo foi o Parnasianismo da ditadura militar, fez apenas uma frase, não formulou um juízo crítico, já que as duas correntes são necessariamente autênticas, nem poderiam deixar de sê-lo: eram autênticas pelo simples fato de existirem. Eram tão autênticas que resistiram por algum tempo ao seu próprio ridículo...

Num mundo em que a maior parte é feita dos que são poetas por escreverem versos, e não escrevem versos por serem poetas (segundo distinção de Paul Valéry geralmente ignorada), dizia o sábio José Paulo Paes que a poesia não existe "para quem acredita na inspiração. Pode ser qualquer lugar. A rua, onde uma boa ideia repentinamente nos assalta e registramos"... o que é, ainda, uma lição de Paul Valéry.

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