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Em 1916 multidão brinca o Carnaval na Rua XV, em frente ao prédio da Associação Comercial do Paraná | Coleção Julia Wanderley/ Reprodução de Marcos Campos
Em 1916 multidão brinca o Carnaval na Rua XV, em frente ao prédio da Associação Comercial do Paraná| Foto: Coleção Julia Wanderley/ Reprodução de Marcos Campos

Tom Zé é experiente no "anticarnaval"

Era 1958. Tom Zé, aos 22 anos e animadíssimo, fez suas próprias fantasias para o carnaval de três dias em um clube de Irará, na Bahia. Domingo, dançou até ver as cadeiras sobre a mesa e o sol se enxerindo pelas janelas. Segunda-feira, "perdeu o gosto" pela coisa à meia-noite. Terça, deu a fantasia para um amigo e nunca mais a viu na vida.

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  • Sacis & Garibaldis promovem a festa no Largo da Ordem, no pré-carnaval deste ano

Até a maior festa popular do Brasil ganha algo de peculiar em Curitiba. Com binóculos voltados para o passado, são lembrados alalaôs saudosos que ecoam na Rua XV ou na Marechal Deodoro, antigos lugares de brincar o carnaval na cidade. Mais atrás, há os ziriguiduns em clubes tradicionais como o Dom Pedro II, que se emperequetava para receber foliões igualmente prontos para soltar a franga – naquela época, pelos idos de 1940, a gíria era "rasgar a fantasia".

Dizer que hoje não existe carnaval em Curitiba é um despropério. Na capital do frio, ele começa mesmo antes das 18h30 do próximo sábado (5), quando os carros alegóricos das seis escolas de samba – quatro do grupo especial e duas do grupo de acesso – ganharão a Praça Nossa Senhora de Salete, no Centro Cívico.

Isso porque, o que começou em 1999 como uma festinha comandada por Itaércio Rocha, fundador do Grupo Mundaréu, e foi anfetaminado por integrantes da Faculdade de Artes do Paraná (FAP), do Conservatório de MPB e do Teatro de Bonecos, hoje é um evento disputadíssimo que faz com que pré-foliões se divirtam mesmo atrás de uma kombi elétrica. É o pré-carnaval, promovido pelos grupos Sacis & Garibaldis, que acontece no Largo da Ordem a partir das 15h30 nos cinco domingos anteriores ao início da grande festa. Hoje é o último deles, não perca o passo.

O carnaval de Curitiba existe antes da hora e é tão rico quanto um desfile da Mangueira, mas a seu próprio modo. O Psycho Carnival, por exemplo, há 12 anos ininterruptos movimenta a cena dos que poderiam ser chamados de foliões-roqueiros, aqueles que não abrem mão de uma distorção de guitarra nem quando veem a Globeleza na tela da tevê.

Neste ano, 30 bandas de psychobilly e outros gêneros relacionados se apresentarão no Moinho Eventos entre os dias 4 e 7 de março – entre elas nomes que fazem cabelos com gel ficarem ainda mais em pé, como Nekromantix (Dinamarca/EUA), Mad Sin (Alemanha), The Griswalds (Reino Unido) e Phantom Rockers (Reino Unido/EUA).

Eventos paralelos, como um show gratuito nas Ruínas de São Francisco e a bizarra caminhada Zombie Walk (ambos no dia 6), que neste ano tem previsão de reunir mil pessoas caracterizadas de zumbis pelas ruas de Curitiba, também estão no programa. É carnaval, ora pois.

Já para os carnavalescos que buscam contato com a natureza surge como opção o Festival Psicodalia. Organizado pelo trio curitibano Julianna Henriques, Klauss Pereira e Alexandre Osiecki, a 14.ª edição do evento acontece de 4 a 8 de março na Fazenda Evaristo em Rio Negrinho, Santa Catarina. O amalucado Tom Zé, a banda setentista O Terço e lendas dos hippies, como a pernambucana Ave Sangria, estão escaladas para cinco dias de paz e amor.

Impressões

A seu jeito, misturando samba, sacis, zumbis e Tom Zé, o carnaval curitibano e arredores existe, sim. "É um mito que não há carnaval na cidade. O que não se pode fazer é uma comparação com o que acontece na Bahia ou no Rio de Janeiro. São cidades diferentes e cada povo tem suas próprias referências", diz Marcelo Sutil, coordenador de pesquisa histórica da Fundação Cultural de Curitiba.

Sobre os desfiles, Sutil conta que no começo do século passado, as ruas de Curitiba eram uma festa só. "As pessoas jogavam confetes, serpentinas, brincavam mesmo. Acompanhavam desfiles de uma ponta a outra da Rua XV".

Quem viveu parte dessa história foi Ismael Cordeiro, o Maé da Cuíca. Um dos responsáveis pela fundação da tradicional Escola de Samba Colorado – que existiu de 1946 a 1998 –, ele pulou muitos carnavais. Presidente da escola por 35 anos, por mais que quisesse só "bater tamborim e tocar cuíca", Maé, aos 83 anos, sente saudades daqueles tempos.

"Sinto uma tristeza porque eu lutei tanto para conseguir fazer o carnaval daqui. E veja agora. É só um dia. Tibagi, cidade do interior, tem quatro dias de festa", conta o sambista.

Outro fator que deixa Maé emburrado é falar sobre a mudança do "sambódromo" da cidade da Marechal Deodoro para o Centro Cívico, em 1998. "Mataram o carnaval de Curitiba", diz ele, que tem birra até com os Sacis & Garibaldis. "Acho bacana, mas é uma brincadeira. Não é carnaval".

O presidente da comissão executiva do Carnaval de Curitiba, Jaciel Teixeira, diz que está levando para as ruas um "carnaval família", justamente o que acredita ser a principal característica da festa pelas bandas de cá. "Nos preocupamos mais com segurança e com o bem-estar de quem vai assistir aos desfiles", diz Teixeira. Neste ano, 15 a 20 mil pessoas são esperadas nas arquibancadas do Centro Cívico. "Sabemos que algumas escolas não gostam dali. Há lombadas, a rua é estreita, mas é o nosso carnaval, é o carnaval que conseguimos fazer".

Sambar na lombada, moldar o topete à moda psychobilly, se vestir de zumbi e vagar pelo Largo da Ordem ou relembrar do flower power e viajar para Rio Negrinho. Há carnal para todos gostos.

Interatividade

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