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Alberto Manguel, escritor | Bel Pedrosa / Divulgação
Alberto Manguel, escritor| Foto: Bel Pedrosa / Divulgação

Alberto Manguel é creditado como escritor porque ainda não há estabelecido o ofício de leitor profissional. Convidado para a 14.ª Jornada Literária de Passo Fundo – onde haverá, na próxima sexta-feira, um debate sobre a formação do leitor contemporâneo – o argentino criado em Israel, naturalizado canadense e hoje radicado na França tem uma experiência singular com a leitura. Na década de 60, quando era adolescente em Buenos Aires e trabalhava na livraria Pygmalion, conheceu o escritor Jorge Luis Borges, freguês costumaz da loja. O autor de Ficções e O Aleph, que já estava quase cego, pedia para que outras pessoas fizessem leituras em voz alta, e Manguel, durante quatro anos, foi um desses leitores.

Hoje, com 63 anos, Manguel é um escritor aos moldes de Borges: seus livros frequentemente são construídos a partir de pesquisas sobre assuntos variados, mas que não raro passam pelo campo da literatura. É assim que considera seu mais recente livro, As Aventuras do Menino Jesus, publicado pela editora Planeta: uma coletânea de textos literários sobre a infância de Jesus Cristo, sem qualquer propósito espiritual.

A relação com a leitura é sempre muito cara à obra do autor. Dono de uma coleção de mais de 40 mil livros, ele diz que "a biblioteca é a autobiografia do leitor". Antes de embarcar para o Brasil, onde participará do evento literário que começou ontem em Passo Fundo (RS), Manguel concedeu entrevista por e-mail para a Gazeta do Povo. Nela, o escritor fala sobre seu último livro, suas experiências como leitor e sobre a formação de leitores.

Em seu novo livro, As Aventuras do Menino Jesus, o senhor reúne textos sacros, profanos e mesmo heréticos sobre a infância de Jesus. Que relação o senhor desenvolveu com a figura de Cristo, tendo sido criado em Tel-Aviv?

O fato de ter sido criado em Israel não traz nenhuma relação com meu interesse na figura de Cristo. Eu não fui criado em uma família religiosa – nem judaica nem de qualquer outra religião – e não sou um crente. Eu descobri a figura de Cristo como descobri muitas outras figuras literárias: lendo. Cristo é um dos mais extraordinários personagens literários, mais complexo do que Hamlet, mais aventuroso que Dom Quixote e com algo de personagem de Dostoiévski.

O senhor teve a honra de ter servido como leitor para Borges, e, sobre isso, disse que precisava ler ‘em um tom neutro’, para que o escritor pudesse ouvir a literatura sem qualquer inflexão. Como essa experiência mudou sua forma de encarar a leitura e a escrita?

Ler para Borges foi acima de tudo uma lição no ofício da literatura. Borges pedia que eu lesse para estudar como os grandes contistas (ou os escritores que ele acreditava serem grandes) lidavam com seus trabalhos. E escutá-lo desmontar e remontar uma história era estar presente em uma classe privilegiada.

O senhor falará em uma mesa sobre a formação do leitor contemporâneo. Como o senhor avalia o atual ensino da literatura nas escolas?

Ainda que o ensino dependa largamente das habilidades de cada professor, hoje em dia toda a educação acontece no contexto de uma sociedade que, como um todo, não carrega um verdadeiro valor cultural. Os valores da sociedade contemporânea são monetários, e esse valores infiltraram-se em todas as áreas de nossas vidas. Hoje em dia, Cristo estaria expulsando os vendilhões não apenas do templo, mas também das escolas, das livrarias, das editoras, dos centros culturais, das galerias de arte...

Na sua opinião, que elementos fazem um bom leitor?

Ter a vontade de entrar em um livro e explorá-lo até seus limites, e não ter o pudor de jogar o livro fora caso ele não faça jus às suas expectativas.

O senhor já disse que a literatura brasileira parece inspirar-se em si mesma. O senhor acredita que ela se repete?

Eu não conheço o suficiente sobre a literatura brasileira para responder a essa pergunta. Mas eu acredito que o que eu já li merece uma audiência maior. E toda literatura se repete.

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