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Joaquim Rolla: de tropeiro em Minas Gerais a imperador da jogatina e dos espetáculos no Rio de Janeiro | Divulgação
Joaquim Rolla: de tropeiro em Minas Gerais a imperador da jogatina e dos espetáculos no Rio de Janeiro| Foto: Divulgação

"A Urca é um dos últimos lugares autenticamente felizes do mundo." Com essa frase, dita na festa de aniversário do presidente Getúlio Vargas, em 1942, o cineasta norte-americano Orson Welles, diretor do renomado Cidadão Kane, resumiu o espírito do principal cassino da América Latina nos anos 30 e 40. Já o repórter David Nasser, precursor das grandes reportagens na imprensa brasileira, foi ainda mais certeiro ao escrever a respeito do proprietário da casa de jogos, Joaquim Rolla, à revista O Cruzeiro, em 1946: "Ao mesmo tempo, um dos homens mais discutidos e mais desconhecidos do país".

Matreiro como todo mineiro, Rolla construiu um império de jogatina e espetáculos no Rio de Janeiro e em Minas Gerais sem precisar recorrer ao estereótipo de gângster. Circulando pela mais alta casta de políticos, empresários e artistas, conforme mostra o livro O Rei da Roleta, lançado mês passado pela editora Casa da Palavra e escrito por Euler Conradi e João Perdigão, o ex-tropeiro conseguiu driblar o estigma de caipira (mesmo milionário, jamais deixou de trocar o L pelo R) para se tornar um dos maiores investidores do turismo, proprietário dos principais cassinos e hotéis do país. Tudo graças ao jogo, que, seguindo a ordem inversa, o transformou primeiro em pobre e, depois, em milionário.

Promessa

Ainda tropeiro no interior mineiro, o jovem Rolla tomou gosto pelo jogo de truco. O que lhe custou caro. Após perder boa parte das mulas no carteado, o futuro empresário prometeu não jogar nunca mais. Caiu em tentação duas vezes. Na primeira, ainda pelos confins de Minas, perdeu tudo, dos animais à carga. Na segunda, já reerguido e estabelecido na elite carioca, chegou a hesitar em aceitar o convite do então ministro do Trabalho, Salgado Filho, em sentar-se à mesa. Aceitou mais para não desfazer do político influente do que para se arriscar a obter algum lucro. Saiu da mesa com 4 mil contos de réis (dinheiro da época no país) de crédito com um dos jogadores que, sem recursos, repassou a Rolla o valor equivalente em ações do Cassino da Urca.

Começava a grande virada na vida do mineiro. Assim como a virada no show business brasileiro. Só para se ter ideia da importância cultural do cassino no contexto nacional, se hoje cantamos "Parabéns Pra Você" a cada festa de aniversário, foi de tanto a canção ser entoada por clientes norte-americanos na Urca, o que inspirou um dos maestros do cassino a adaptá-la ao português.

Com tato para contratar artistas consagrados e atrair gente endinheirada, Rolla transformou a Urca no epicentro cultural do país. Pelo cassino passaram da cantora Carmen Miranda (amiga do empresário e que do cassino embarcou direto para Hollywood) ao físico russo George Gamow (um dos teóricos do Big Bang, que ao ver o dinheiro sumir tão rápido das mesas do cassino definiu uma teoria sobre a perda de energia das supernovas batizada de Efeito Urca), do cineasta Walt Disney ao futuro presidente Juscelino Kubitschek, passando pelo craque Heleno de Freitas, pelos empresários das comunicações Assis Chateaubriand e Roberto Marinho, além da grande atração do cassino por anos a fio, o ator Grande Otelo.

Personalidades, aliás, que nunca deixaram de passar pela vida do sujeito que antes de se tornar empresário renomado, tema de reportagens em veículos do porte da revista Life e do jornal New York Times, trabalhou, além de tropeiro, como açougueiro, militar, empreiteiro, dono de jornal, de confecção de meias, de uma das primeiras concessionárias de carros do país, além de revolucionário – participou ativamente das revoluções de 1930 e 1932. Tudo isso para fazer jus ao subtítulo do livro, que pode parecer um pouco presunçoso, mas cai muito bem ao personagem: A Incrível Vida de Joaquim Rolla.

Personalidades da Urca

Conheça alguns dos figurões que frequentavam o cassino de Joaquim Rolla nos anos 30 e 40:

Carmen Miranda

Amiga de Joaquim Rolla, com quem jogava peteca na Urca, a pequena notável chamou a atenção de Lee Shubert, dono de teatros na Broadway. Fez tanto sucesso nos EUA que é a única brasileira na calçada da fama em Los Angeles.

Getúlio Vargas

Assinou a lei que permitia o jogo. Getúlio ia a eventos no cassino, como as festas beneficentes da sua esposa, mas não jogava. Em 1942, comemorou o aniversário na Urca, em festa promovida pela embaixada norte-americana.

George Gamow

Observando os jogos, o cientista russo relacionou a velocidade do desaparecimento do dinheiro nas mesas à velocidade da perda de energia das supernovas, que as faziam desaparecer. Surgia a teoria batizada de Efeito Urca.

Orson Welles

Contratado pelo milionário Nelson Rockefeller para filmar um documentário dentro da política de boa vizinhança do governo Franklin Roosevelt, o diretor de Cidadão Kane ficou seis meses no país, em 1942, tornando-se assíduo habitué da Urca.

Juscelino Kubitschek

Ia à Urca antes de se tornar político conhecido. Prefeito de Belo Horizonte, o futuro presidente começou a erguer o bairro da Pampulha e solicitou ao novato Oscar Niemeyer que planejasse um cassino no local a ser administrado por Rolla.

Serviço: O Rei da RoletaEuler Conradi e João Perdigão. Casa da Palavra. 464 págs. R$ 49,90. Biografia.

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