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Dennis Hopper posa depois de homenagem recebida em Los Angeles | Gabriel Bouys/AFP
Dennis Hopper posa depois de homenagem recebida em Los Angeles| Foto: Gabriel Bouys/AFP

Nova York - Dennis Hopper – ator, cineasta, fotógrafo, colecionador de arte, maluco de primeira categoria, sobrevivente entre os sobreviventes –nunca queimou o filme. Ao contrário dos bandidos e esquisitões que interpretou ao longo de décadas – o psicopata complexado em relação à mamãezinha em Veludo Azul, o louco no controle de uma bomba em Velocidade Máxima –, ele atravessou incólume bons, maus e, algumas vezes, espetacularmente terríveis momentos. Ele suplantou a era de ouro de Hollywood adentrando com estrondo uma nova era do cinema em Easy Rider – Sem Destino. Ele deu umas voltas com James Dean, interpretou o papel de filho de Elizabeth Taylor, atuou sob a direção de Quentin Tarantino. Foi rico e infame, perdido e descoberto, a próxima grande novidade, o último dos resistentes.

Ultimamente, Hopper, que faz 74 anos no dia 17 de maio, voltou ao noticiário. Em março, seu advogado no processo de divórcio da quinta esposa, Victoria, anunciou que o ator tem um câncer de próstata terminal e, muito doente, estaria impossibilitado de comparecer ao tribunal. Na mesma semana, um lúgubre Hopper compareceu todo sorrisos com Jack Nicholson para ser homenageado com uma estrela no Hollywood Boulevard. Nicholson, zanzando em torno de Hopper, vestia uma camisa extraordinariamente feia, decorada com as listras e estrelas da bandeira americana e com a imagem dos dois fatídicos motoqueiros de Easy Rider, o filme que transformou Hopper em diretor de cinema e tirou Nicholson da irrelevância dos filmes B. Foi um daqueles momentos sublimes e ridículos de Hollywwod, armado e ao mesmo tempo real.

Foi também uma ocasião perfeita para Hopper, acostumado a se equilibrar entre realidades aparentemente contraditórias na maior parte da carreira: de tanga em Tarzan and Jane, Regained Sort of...,, produção de Andy Warhol de 1963, e em seguida o delator antagonista de John Wayne em The Sons of Katie Elder. Inspirado por Vincent Price (isso mesmo, Vincent Price), virou colecionador de arte ao comprar algumas obras do início da carreira de Warhol por US$ 75 e arrematar outras tantas obras-primas de gente como Roy Lichenstein, Jasper Johns e Jean-Michel Basquiat. Mais tarde, quando Easy Rider foi lançado, Warhol, que imortalizou Hopper em serigrafia, especulou sobre a influência que teria exercido sobre aquele ator "com tamanha loucura no olhar": "A gente nunca sabe onde as pessoas vão beber para se inspirar".

No caso de Hopper, as linhas de influência talvez sejam mais abrangentes do que podem parecer de início, variando da bandeira americana num dos quadros de Johns, por exemplo, àquela exibida por Peter Fonda como se fosse um alvo às costas de sua jaqueta de motoqueiro, em Easy Rider. Hopper, que começou na pintura e na fotografia, desistiu delas e as retomou em diferentes momentos da vida, não apenas tinha grande faro para comprar arte; ele mesmo também levava a própria estética às últimas consequências e, por vezes, à beira do abismo. Entre as mais impactantes estratégias na forma de Easy Rider, estão os cortes agressivos, um soco na cara, que eram a marca registrada de seu amigo de longa data, o cineasta vanguardista Bruce Conner (de A Movie).

Easy Rider ocupa um lugar privilegiado na história do cinema americano, embora menos por suas experimentações formais do que pelo visível impacto que causou na indústria cinematográfica, como ilustra o autoexplicativo título do popular livro de Peter Biskind, Easy Riders, Raging Bulls: Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’roll Salvou Hollywood, lançado no Brasil pela editora Intrínseca.Resumindo, aquele filme de motoqueiros rodado com US$ 400 mil faturou quase US$ 20 milhões na época de seu lançamento, provando que a contracultura podia ser convertida em consumo, desde que usado o tom certo para vendê-la. (Um cara saiu em busca da América. E não conseguiu encontrá-la em parte alguma...) E, no verão de 1969, quando o filme estreou, o tom era exato, particularmente aos ouvidos de jovens audiências que descobriam, na história dos motoqueiros, personagens com os quais podiam se identificar – Fonda como Wyatt, Hopper como Billy – os quais, depois de um grande negócio envolvendo cocaína, atravessam velozes o Sudoeste do país e acabam mortos a tiros por um caipira local. O filme foi hit em 1969 no Festival de Cannes, onde ganhou o prêmio de estreante.

Desempenhos

Se o prazer que suas performances proporcionam vem com algum desconforto, é porque Hopper aparentemente nunca teve medo de parecer ridículo – uma virtude importante para um ator. Poucos foram capazes, como ele, de transitar entre a comédia e o terror, o que ficou evidenciado por sua participação arrebatadora em Veludo Azul, de David Lynch. Onde termina o personagem e começa a pessoa de Hopper ali? A gente não sabe, e esse não saber é o espaço onde Hopper trabalha. Antes que começasse a botar as tripas de fora na tela, seu jeito escancarado chegava a ser deliciosa, como quan­­do foi fotografado lendo Stanislavsky no set de Ju­­ventude Transviada. Tinha 17 anos, interpretava um cara chamado Goon e sorvia cada palavra de James Dean, que lhe falou para começar a fotografar, para ver o mundo numa moldura.

Em fevereiro, Peter Bart, colunista da Variety e ex-executivo de estúdios, fez uma reflexão sobre a carreira de Hopper, na qual escreveu que ele "brilhou como ator, cineasta, colecionador de arte e fotógrafo, e fez tudo que poderia ter feito para se autodestruir em cada uma dessas áreas de atuação". Para Bart, parece "impossível que alguém, depois de estrelar um filme como Assim Caminha a Humanidade, pudesse destruir a própria carreira como astro de cinema, ou que dirigisse um filme seminal como Easy Rider e depois desaparecesse como diretor". É uma forma de ver essa carreira, embora várias mostras de arte, retrospectivas de filmes e livros, como Dennis Hopper & the New Hollywood ["Dennis Hopper e a nova Hollywood"] e Dennis Hopper: Photographs 1961-1967 ["Dennis Hopper: fotografias 1961-1967"], revelem uma vida diferente, que o colunista da Variety provavelmente não compreenderia.

Se essa vida não combina com velhas ou novas noções de estrelato, é porque Hopper seguiu um rumo próprio quase desde o começo.

Tradução de Christian Schwartz.

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