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| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Leitura

A velocidade dos tempos atuais

Irinêo Baptista Netto

"Eu sou apocalíptico", disse o escritor Altair Martins. Era como se estivesse lançando um aviso. O público no Paço da Liberdade – Sesc Paraná devia se preparar porque sua opinião não seria otimista.

Na noite de terça-feira, Martins conversou com Tatiana Salem Levy, autora de A Chave de Casa (Record), sobre o tema "A Literatura na Modernidade". Os rumos da discussão foram indicados pelo mediador Flávio Stein, que usou como referências o Twitter, a internet, livros digitais (e-books) e minicontos.

Além de ser romancista – publicou A Parede no Escuro (Record) –, Martins é também professor num curso de escrita criativa. Quando Stein perguntou se os suportes digitais representam alguma ameaça para a literatura, o gaúcho não hesitou em falar sim. "É o início do fim da humanidade como a conhecemos", disse.

Citando as experiências na sala de aula, ele comentou que, cada vez mais, os jovens não têm paciência nem concentração para ler. Não se demoram em coisa nenhuma. Otimistas gostam de afirmar que nunca se leu tanto no Brasil graças à internet, mas Martins rebate argumentando que, na internet, a leitura é outra, muito diferente daquela inspirada por um livro.

Na sua vez, Tatiana falou sobre como a velocidade da internet e do Twitter a incomodam. Tanto que não tem um microblog e acabou se afastando do projeto Vida Breve, do jornal Rascunho, em que publicava uma crônica semanal on-line. "O tempo da escrita é algo muito importante. Não se pode apressar a criação de um texto", disse. "Eu sou muito lenta para escrever."

Sérgio e André Sant’Anna, pai e filho, só leem o que proporciona prazer. Eles contaram isso, e muito mais, ontem pela manhã em Curitiba, durante uma das mesas-redondas da Semana Literária, evento promovido pelo Sesc Paraná, que segue até domingo (19) no Paço da Liberdade. Sérgio, 69 anos, revelou que lê toda noite antes de dormir. Essa é uma das atividades mais prazerosas de seu dia. André, 46, tem lido cada vez menos devido a compromissos profissionais, que consomem a maior parte de seu tempo.

Pai e filho são leitores desde pequenos. Sérgio, autor de Um Crime Delicado, se diz viciado, e não consegue viver sem ter um livro perto de si. André conta que só ficou entediado com a leitura durante o período em que era estudante. Na sétima série, uma professora o obrigou a ler A Mão e a Luva, de Machado de Assis, e as consequências foram desastrosas. "Fiquei por mais de 15 anos sem ler Machado", disse.

O ponto de partida do encontro, mediado pelo escritor e jornalista Luís Henrique Pellanda, era tentar responder de que maneira, em um mundo barulhento como o nosso, uma pessoa consegue se dedicar à leitura. Logo nos primeiros minutos, os "concorrentes" do livro, como a internet, foram mencionados.

Sérgio comentou que a web traz vantagens como, por exemplo, a possibilidade de realizar uma pesquisa sobre qualquer assunto em pouco tempo. "Diferentemente do que acontecia no passado, quando era necessário se deslocar até uma biblioteca ou um arquivo público em busca de informações", afirmou.

André confessou que até resistiu, mas acabou se rendendo à internet e às redes sociais Twitter e Facebook. Ele diz passar três ou quatro horas de seu dia assistindo, no YouTube, a vídeos, por exemplo, de apresentações que o compositor Itamar Assunção (1949-2003) realizou há duas décadas. Além de escritor, André também é músico – durante anos foi contrabaixista da banda Tao e Qual. "Acho que tudo tem valor, seja ler um livro ou navegar pela internet", afirmou.

Laços de família

O mundo das ideias aproximou pai e filho, mas há uma outra paixão que faz os Sant’Anna suspenderem até a leitura: jogo de futebol. Sobretudo, se quem estiver em campo for o Fluminense, time do coração da família. Sérgio escreveu contos sobre o assunto. André tem um romance, O Paraíso É Bem Bacana, no qual o esporte bretão é um dos elementos-chave da narrativa.

Sérgio e André são parecidos, entre outros motivos, porque não costumam ler os livros que publicaram. "O Chico [Buarque] me disse que ele também não costuma escutar as músicas que fez e gravou. Esse tipo de comportamento é bastante comum", comentou Sérgio.

Mas, naturalmente, eles também têm lá as suas idiossincrasias. André evita ler qualquer obra durante o período em que escreve um livro. "Principalmente, para não comparar com o que escrevo. Se o autor for melhor (do que eu), posso até travar", contou. Sérgio, até pela compulsão pela leitura, segue a ler outros autores enquanto produz ficção.

Pai e filho disseram, para 44 pessoas que acompanharam o bate-papo durante 90 minutos, que nunca planejaram construir trajetória no mundo literário. Os dois pagaram, do próprio bolso, pelos seus primeiros livros e somente em um segundo momento passaram a ser publicados por editoras.

Por volta das 13 horas de ontem, eles já estavam no Aeroporto Afonso Pena. Sérgio embarcou para o Rio de Janeiro, cidade onde nasceu e vive. André, que é mineiro e mora em São Paulo, seguiu para Natal (RN), onde trabalha em uma campanha política. Curitiba, por um breve espaço de tempo, aproximou ainda mais pai e filho, considerados pela crítica duas das vozes mais instigantes da ficção brasileira contemporânea.

O dia, ou melhor, a manhã da última quarta-feira, 15 de setembro de 2010, foi dos Sant’Anna.

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