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  • Músicos se apresentam em rua de Buenos Aires: o tradicional e o contemporâneo se misturam a todo instante

A economia argentina já esteve melhor do que a nossa. Nos anos 1990, eles invadiram as praias de Santa Catarina, ouviram Chico Buarque e Caetano Veloso e se esbaldaram na caipirinha. Mas hoje, com os ventos da economia soprando a nosso favor e Buenos Aires figurando no roteiro de férias dos brasileiros, fica a pergunta: o que conhecemos da cultura argentina contemporânea?

O músico e publicitário Túlio Pires Bragança, de 28 anos, que viveu os últimos quatro na capital portenha, acredita que, mesmo com a internet, o câmbio favorável e as passagens aéreas mais baratas, nosso conhecimento sobre a nação vizinha continua escasso. Em compensação, o que notou por lá foi uma admiração enorme pela cultura brasileira.

"Às vezes eu me sentia constrangido quando uma pessoa mostrava todo o seu conhecimento sobre nós e, depois, perguntava: ‘e no Brasil, o que escutam de música argentina?’", recorda. "Era chato dizer que conhe­­­cemos um pouco de cinema, literatura e olhe lá."

Partilha opinião semelhante o fotógrafo e jornalista Rodrigo Juste Duarte, de 34 anos, que viajou à terra das empanadas pela primeira vez em junho passado. "Nas duas semanas em que estive lá, não passei um dia sem ouvir Tom Jobim, Paralamas, Skank, Arnal­do Antunes, Marisa Monte e Paulinho Moska, que soavam nos autofalantes dos estabelecimentos por onde andei."

Nas linhas finais de Brasil e Argentina: um Ensaio de História Comparada (Editora 34, 2004), os autores fazem votos de que os países se aproximem cada vez mais, "fora dos campos de futebol – um ponto em que o presidente Roque Sáenz Peña não pensou quando proferiu a frase ‘Tudo nos une, nada nos separa’".

Fernando Devoto, de 61 anos, professor da Universidade de Buenos Aires e coautor do livro com o brasileiro Boris Fausto, se diz um pessimista. "A frase de Sáenz Peña é verdadeira, mas isso não acontece na prática." Para o historiador, a maior aproximação entre os dois países se dá no meio acadêmico, mais especificamente nas Ciências Sociais – relação fortalecida a partir de 1976, com o golpe militar na Argentina, quando muitos intelectuais de lá buscaram refúgio no Brasil.

O documentarista argentino Andrés Di Tella, de 50 anos, um dos criadores do Festival Interna­cional de Cinema Independente de Buenos Aires (Bafici), entende que o momento atual é de mudança de perspectiva. "Pela primeira vez há uma percepção na Argentina de que o Brasil é um país mais forte, que tem uma presença no cenário econômico e político internacional mais importante."

Ao deixar a rivalidade de lado, Di Tella entende que se abre espaço para um maior diálogo cultural. Devoto, citado anteriormente, concorda que não há dúvidas dessa relação de grandeza. Diz, porém, que há o discurso e a prática. Para ele, seus conterrâneos mantêm um sentido de autossuficiência, de que a Argen­tina não precisa se relacionar com seus vizinhos.

Pontuando uma questão referente à literatura, mas que pode ser expandida às outras áreas do conhecimento, o tradutor brasileiro Marcelo Barbão, de 43 anos, casado com uma argentina e vivendo há dois anos em Buenos Aires, acredita que falta a presença de uma política cultural entre os países, que incentive traduções e publicações. Quando morava em São Paulo, publicou pela sua editora, Amauta, autores argentinos desconhecidos dos brasileiros, como Martín Kohan e Sergio Chejfec.

Para Christian Kupchik, crítico literário argentino e editor da Paidós (braço do grupo Planeta), nenhum autor brasileiro goza hoje da popularidade que Jorge Amado teve por lá décadas atrás. "Paulo Coelho não conta, porque está mais para um produto de mercado que para a literatura", opina. "São poucos os autores brasileiros que chegam aqui, como João Ubaldo Ri­­­beiro e, em conta-gotas, a sempre interessante Nélida Piñon. Nos últimos anos, bons autores contemporâneos como Milton Hatoum e Daniel Galera foram publicados na Argentina, mas por selos pequenos, com um grande esforço e distribuição escassa", aponta.

Em relação ao intercâmbio cultural, o historiador Devoto afirma que é possível enumerar artistas, discos, filmes e livros que chegaram ao país vizinho, mas não acredita que isso faça parte de uma relação mais forte, de um vínculo sistemático. As próximas páginas apresentam alguns trabalhos que conseguiram furar essa barreira entre os dois países – além de outros tantos que, apesar de sua qualidade, inexplicavelmente se­­guem à espera de um olhar curioso.

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