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Cartaz norte-americano de Central do Brasil: consagração | Reprodução
Cartaz norte-americano de Central do Brasil: consagração| Foto: Reprodução

"Gosto de fazer novela, senão não faria"

A cena da novela Guerra dos Sexos (1983/84) em que os ricaços, primos e eternos apaixonados Charlô (Fernanda Monte­negro) e Otávio (Paulo Autran) brigam na mesa do café da ma­­nhã, atirando comida um no ou­­tro, é antológica na história da televisão. O delicioso folhetim de Sílvio de Abreu conseguiu re­­unir, numa sequência de humor pastelão, mas com nuances de discussão sobre o embate ho­­mem/mulher, os dois maiores atores do Brasil. E eles deitaram e rolaram, fazendo história.

Fernanda já havia feito, em seu retorno à Rede Globo, no início da década de 80, outro papel marcante: a dominadora e vilanesca matriarca Chica Newman, da novela Brilhante (1981/82), escrita por Gilberto Braga em 1981 e na qual vivia o papel de avó da própria filha, Fernanda Torres, que estreava em novelas, aos 25 anos. A personagem, uma megera consumada, aos poucos vai caindo do salto até parar nos braços do motorista, vivido por Cláudio Marzo, num dos lances mais surpreendentes e comentados da trama

Outra vilã, a maquiavélica e ardilosa Bia Falcão, de Belíssima (2005), também assinada por Síl­­vio de Abreu, marcaria a trajetória de Fernanda na televisão. Sua presença, que deveria ter se limitado a uma participação, acabou roubando a cena. Tanto que lhe deu o prêmio de melhor atriz da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). O desfecho inusitado da personagem – ao invés de ser punida por seus crimes, termina em Paris, na cama com o jovem galã Cauã Raymond – também gerou frisson.

Sempre diplomática, Fer­­nan­­da não considera seu trabalho em telenovelas e minisséries me­­nos relevante no conjunto de sua carreira, pelo contrário. "Gosto de fazer novela, senão não faria. Em primeiro lugar, pelo elenco, que é sempre gente de diversas idades e de diversas escolas. Os atores com quem tenho trabalhado sempre são de grande qualidade e os textos, da maior responsabilidade, do maior resultado e da melhor qualidade, en­­quanto teledramaturgia", disse Fer­­nanda à reportagem do Ca­­derno G. (PC e LR)

  • Fernanda e Gianfrancesco Guarnineri, em cena de Eles Não Usam Black-Tie
  • Otávio (Paulo Autran) e Charlô (Fernanda Montenegro): encontro mágico
  • Bia Falcão: vilã maquiavélica
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Era uma vez uma mulher chamada Dora. Ex-professora, pobre, suburbana, amarga. Como meio de sobrevivência, escreve cartas para analfabetos no principal terminal ferroviário do Rio de Janeiro, a Central do Brasil, que dá título ao longa-metragem de Walter Salles. Até o dia em que Josué, um garoto que perde a mãe sob as rodas de um carro, a atropela e lhe pede para ajudá-lo a encontrar o pai. Nessa procura, a ensina a se reconectar com sua humanidade.

Dora, em sua jornada rumo ao agreste em busca do pai de Josué, foi mais longe do que imaginava. Levou Fernanda Montenegro, a grande dama do teatro nacional, ao Fes­tival de Berlim, onde ela e Central do Brasil foram premiados e consagrados. E também lhe deu lugar de honra, quem diria, nas cerimônias de entrega do Globo de Ouro e do Oscar. A carioca Arlette Pi­­nheiro (seu nome de batistmo), beirando os 70 anos, tornou-se uma das poucas estrangeiras a ser indicada na categoria de melhor atriz, interpretando uma personagem em seu idioma nativo. Antes disso, já havia recebido, pelo mesmo papel, os prêmios dos críticos de Los Angeles e do National Board of Review, sediado em Nova York – só duas outras "gringas", a norueguesa Liv Ull­­mann e a italiana Anna Magnani, tinham conseguido esse feito.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Fernanda falou sobre a importância do capítulo Central do Brasil em sua extensa carreira: "Eu guardo uma festa na minha vida. Guardo uma surpresa imensa. Ja­­mais pensei em atravessar a minha cidade, do Rio de Janeiro para qualquer outro estado do Brasil. O Oscar foi marcante, o Globo de Ouro foi marcante. O prêmio da crítica americana [do National Board of Review] em Nova York, em um banquete apre­­sentado pela Lauren Bacall. O Festival de Cuba [no qual também recebeu o prêmio de melhor atriz]..."

O irônico em tudo isso é que Fernanda não era uma atriz de cinema por vocação. Teve poucos e grandes papéis, mas sua grande – ou melhor, imensa – praia sempre foi o palco. O que poucos sabem é que, jovenzinha, nos anos 30 e 40, era louca por filmes. Via três, quatro por semana. Era fã de Bette Davis, Greta Garbo, Marlene Dietrich, Lau­­rence Olivier. Nos anos 50, ao lado do marido, o ator Fernando Tor­­res, chegou a apresentar na Rádio MEC o programa Falando de Ci­­nema, no qual o casal entrevistava personalidades da sétima arte nacionais e, eventualmente, internacionais, quando em visita ao país.

Foi Sérgio Britto, amigo e parceiro em vários trabalhos, quem indicou Fernanda, então com 34 anos, ao cineasta Leon Hirszman (1938-1987) para o papel principal de A Falecida, adaptação da peça homônima de Nelson Rodrigues. A personagem, assim como a própria atriz, é uma recatada mulher do subúrbio, obcecada pela ideia da morte e que trai o marido com um milionário (Paulo Gracindo) e acaba consumida pela culpa. Numa das cenas mais significativas (e hoje clássicas) do longa, que deu à atriz vários prêmios, Fer­­nanda toma banho de chuva no jardim da casa da protagonista.

O êxito dessa atuação, entretanto, não lhe garantiu uma transição natural ao mundo do cinema. "Primeiro foi A Falecida, que é de 1963. Depois, houve um período grande.... Quando chamam, a gente faz, quando não chamam, a gente não faz. Eu não produzo cinema. Eu fiz poucos filmes, mas filmes muito bons, muito premiados, muito cultuados", disse Fernanda à reportagem.

Mãe coragem

Embora tenha participado de alguns títulos menores nas décadas de 60 e 70, o primeiro trabalho im­­portante de Fernanda no cinema desde A Falecida foi Tudo Bem (1979), misto de comédia e crônica social dirigida por Arnaldo Jabor.

No filme, um dos mais interessantes do cinema nacional do período, ela e Paulo Gracindo voltaram a contracenar como um casal da classe média carioca, ainda vivendo sob o regime militar, que vê seu cotidiano se transformar quando o apartamento onde mora entra em reforma e a realidade invade a aparente segurança que o cerca. Logo depois, veio Eles Não Usam Black-Tie (1981), seu segundo trabalho com Leon Hirszman e um dos desempenhos mais importantes da carreira de Fernanda.

O filme, adaptação da peça ho­­mônima de Gianfrancesco Guar­nieri (com quem contracena no longa), conta a história de uma fa­­mília de metalúrgicos do ABC num momento nevrálgico da luta sindical por melhores condições de trabalho.

É um filme de esquerda, engajado e político, em consonância com o momento que o país vivia, a transição democrática. Fernanda vive o personagem da mãe, uma mulher forte, resiliente, mas que não perde a doçura diante das adversidades. Pelo trabalho, ganhou o Prêmio Air France de Ci­­nema. Eles Não Usam Black-Tie venceu o Grande Prêmio do Júri no Fes­­tival de Veneza, um dos mais importantes já conquistados por uma produção brasileira.

Em família

Indagada sobre seu trabalho favorito no cinema, Fernanda prefere não apontar um título específico, mas cita a interessante comédia dramática O Redentor (2004) – "É importante porque é filme do Claudio [Torres, filho da atriz]" – e Casa de Areia (2005). "Esse é do Andrucha [Waddington, seu genro, casado com Fernanda Torres], fiz com minha filha e o considero um dos maiores filmes que o Brasil já fez." A atriz também destaca o thriller O Outro Lado da Rua (2004), de Marcos Bernstein, no qual vive uma apo­­sen­­tada que assume o papel de vi­­gilante de sua vizinhança em Co­­pacabana, denunciando à polícia crimes e ações suspeitas que observa da janela de seu apartamento.

No filme, tem um caso amoroso com um vizinho, interpretado por Raul Cortez, numa das últimas aparições do ator no cinema.

Depois de ser mãe de Javier Bar­­dem na versão cinematográfica de Amor nos Tempos do Cólera (2007), de Mike Newell, Fer­­nanda deve fazer, em 2011, mais um filme sob a direção de Cláu­­dio, seu filho. O título é A Sogra. Terá 82 anos quando o longa for lançado.

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