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Abril de 2010, pré-estreia do filme As Melhores Coisas do Mundo em Curitiba. Aparentemente, a grande maioria dos adolescentes que compareceu à exibição estava na "defensiva" com o filme dirigido por Laís Bodanzky e inspirado na série de livros Mano, escrita por Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto.

Até apagar as luzes da sala de exibição, a informação mais relevante – pelo menos para os jovens! – sobre a produção era a participação de Fiuk, vocalista da banda Hori e à época protagonista de Malhação ID, na fita. Mas a história muda nos primeiros minutos de projeção.

Os olhos atentos na tela grande, as risadas nervosas e os breves comentários (coisas do tipo: "Nossa, isso aconteceu comigo"; "As festas de 15 anos são assim mesmo"; ou "Teria vergonha de ver esse filme com meus pais") revelavam que Laís e Luiz Bolognesi, roteirista do longa-metragem, cumpriram com louvor o "dever de casa".

Explico: a dupla levou à risca a premissa primordial para qualquer profissional que pretende trabalhar com jovens – não subestimá-los e ter a sensibilidade de compartilhar ideias. Para efetivar o projeto de As Melhores Coisas do Mundo, Laís e Luiz percorreram diferentes escolas de São Paulo e permitiram que a narrativa fosse costurada a várias mãos.

Parece simples? Pois é, mas na prática o que se percebe é uma série de tentativas frustradas de diálogo com esse público, justamente por existir – por parte do "adulto experiente" – uma certa desconfiança ("Os adolescentes ão passionais e não entendem nada da vida") e até mesmo preconceito.

O interessante é que os cineastas, escritores e professores foram um dia adolescentes. E, com certeza, também questionavam a falta de espaço para apresentar os seus pensamentos, de abertura para a participação ativa na sociedade e, por mais absurdo que pareça, esses profissionais causam hoje a impressão de que aboliram qualquer lembrança referente à complexidade dessa fase. Página virada e ponto final: cresceram e mantiveram as coisas como elas sempre foram.

Uma pena, pois aí é que se esconde grande parte dos problemas em se estabelecer uma comunicação eficiente com os adolescentes. O primeiro passo é conquistar a confiança deles, desde que isso ocorra sem "forçar a barra".

Durante oito anos, de 2001 a 2009, coordenei aqui na Gazeta do Povo os projetos Repórter-Mirim e Master. Estive em contato direto com os jovens (mais de 200!), que foram responsáveis por grandes mudanças implantadas na Gazetinha (vale lembrar que o caderno tem 37 anos e, no dia 25 de setembro, entra em uma nova fase).

Havia um conceito geral que permeava essas ações: formávamos um time, independentemente de idade ou de hierarquia. Aí se construíram laços importantes de amizade, confiança e respeito que foram fundamentais para potencializar o trabalho realizado.

Em meio aos adolescentes, uma questão sempre me chamou a atenção nas nossas conversas: a literatura em sala de aula. É fato que – na infância – a leitura ocorre de maneira natural. Lê-se mais, há uma infinidade de títulos disponíveis e muitas ações voltadas a valorizar essa prática.

Mas por que ocorre a mudança de comportamento na adolescência? Além do leque de interesses ser ampliado – a vida social se intensifica, é uma fase de muitas descobertas, dúvidas e também de negação da própria infância –, a escola, por exemplo, comete alguns deslizes.

Se antes a leitura ocorria de forma inventiva (vide as feiras de livros, teatrinhos e outras ações interativas realizadas com frequência até a 4.ª série), a partir da segunda etapa do ensino fundamental ela se torna obrigatória e muitas vezes sem sentido.

Recordo de um menino que reclamava de fazer a leitura de um livro de José de Alencar e de um título de Júlio Verne para uma prova. Ao conversar com esse jovem, percebi que não havia clareza na opção pelos autores. Era simplesmente ler e responder as questões apresentadas.

É por isso que tudo parece tão chato. Afinal de contas, por que ler José de Alencar? Texto estranho, rebuscado, "velho demais". Claro, sem contextualização, um objetivo claro para essa leitura, não dá para esperar mesmo que os jovens se interessem.

Outro absurdo é a não valorização dos fenômenos editoriais. Por que não aproveitar autores como J. K. Rowling e Stephenie Meyer em sala de aula? Falta perspicácia aos nossos mestres?

Vejam: autores como Meg Cabot, criadora do best seller O Diário da Princesa, e Thalita Rebouças, fenômeno de vendas no Brasil com livros como Fala Sério, Amor , souberam se relacionar com seus leitores além dos livros. Tornaram-se amigas, confidentes. Por que não aproveitar esses cases de sucesso?

Criar pontes com o universo de interesse dos jovens para trazer novos autores e experiências é fundamental. Básico, ok, mas não se cumpre o "dever de casa".

Esses meninos e meninas querem descobrir novas leituras sim, adorariam vivenciar mais o teatro, se ver outras vezes no cinema, só que – para tanto – é preciso que se sintam respeitados, valorizados e convidados a participar da história. Enquanto os "adultos experientes" acreditarem que sabem tudo sobre os adolescentes, vão continuar cometendo equívocos, multiplicando os estereótipos e gerando repulsa. Fica a dica...

Cristiano Luiz Freitas é editor da Gazetinha desde 2001 e responsável por uma série de ações voltadas ao público adolescente.

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