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Os sinais em nós

Uma sensação de vazio, ausência de sentido para a vida, desânimo, podem ser alguns dos sintomas de quem não vem "ouvindo" adequadamente suas emoções e sentimentos. Aprendemos em nossa cultura capitalista que um produto obsoleto ou com algum defeito deve ser trocado por outro. A grande oferta aliada às facilidades de se adquirir rapidamente algo mais moderno e atraente favorece o comportamento de nos afastarmos o mais rápido possível do produto com problema e comprarmos um novo. Se em termos de produtividade isso funciona bem para os objetos materiais, já não causa o mesmo efeito nos nossos "objetos psíquicos".

Aplicar a mesma lógica materialista às emoções e aos sentimentos não traz melhor resultado. Ou seja, muitas pessoas, ao experimentar a tristeza, a raiva, o medo, a angústia, rapidamente procuram medicamentos ou encontram outros meios para não entrar em contato com o que estão sentido. Talvez se livrem temporariamente do mal-estar, mas perdem a oportunidade de melhorar seu "desempenho psíquico", pois apesar de causar incômodo, essas emoções ou sentimentos não são um problema; ao contrário, elas indicam caminhos, sinalizam aspectos mais íntimos de nós mesmos e quando "ouvidas" adequadamente permitem o autoconhecimento.

Quanto mais nos conhecemos, melhor são nossos resultados nas relações interpessoais, maior é a assertividade em nosso projeto de vida e mais fortalecida fica nossa auto-estima. Muitos desses sentimentos interpretados como negativos podem estar nos indicando a necessidade de mudança. Para isso, a angústia, a raiva, a tristeza ou outras emoções não podem ser anestesiadas, precisam ser vivenciadas com sabedoria, extraindo-se delas conhecimento e motivação para mudar. A sensação de satisfação e realização pessoal só é possível a partir do momento em que nossos comportamentos, nossas atitudes e escolhas estão em congruência com nossa essência, com nosso desejo, com o que há de mais singular em cada um de nós.

Para alcançarmos essa singularidade é necessário muito trabalho psíquico e tempo de construção. Trabalho psíquico no sentido de introspecção ativa, de escuta de nossos sentimentos, de questionamento e busca interna. Tempo de construção entendendo-se que a felicidade, a satisfação com a nossa própria vida, não se compra pronta, mas se constrói e isso exige tempo. Realizar esse trabalho e respeitar esse tempo se torna difícil em nossa cultura consumista e imediatista. O espaço da psicoterapia é uma possibilidade de romper com o nosso padrão cultural e podermos dedicar tempo ao que efetivamente pode nos trazer felicidades: nós mesmos.

Simone Rugani Töpke é psicoterapeuta.

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Bibliografia

Confira alguns dos livros consultados para a produção dessa reportagem:

- História do Medo no Ocidente. Jean Delumeau. 5.ª impressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

- A Linguagem dos Sentimentos. David Viscott. 16.ª edição, São Paulo: Summus Editorial, 1982.

- Culpa. Urania T. Peres (org.).São Paulo: Escuta, 2001.

- O Erro de Descartes. António Damásio. 7.ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

- Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. André Comte-Sponville. 2.ª edição. São Paulo: Editora Positivo/Martins Fontes, 2009.

- Ciúme – O Medo da Perda. Eduardo Ferreira-Santos. 4.ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1998.

- Inteligência Emocional. Daniel Golemann. 69.ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

- Schopenhauer - A Arte de Conhecer a Si Mesmo. Franco Volpi. 1.ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

- O Cérebro Emocional. Joseph LeDoux. 5.ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.

A alegria e a tristeza, dois dos nossos sentimentos mais evidentes, não são prerrogativas humanas. São inerentes à vida animal, racional ou não. As girafas, por exemplo, sofrem a tristeza do luto em longo velório ao redor dos restos mortais de seus pares. O cachorro expressa alegria com a cauda a abanar ou chora a dor com ela entre as pernas. Cada animal manifesta a tristeza à sua maneira. Alguns choram, outros a convertem em arte. Quem me­­lhor que o artista para conferir-lhe alguma beleza? Em nosso go­­zo estético, somos devedores da tristeza em algumas das mais belas manifestações da música, da filosofia, da literatura, das artes plásticas.

Em quantas dores Vinícius de Moraes buscou o refrão "tristeza não tem fim/felicidade sim"? Mergulhado na agonia da surdez Beethoven compôs célebres sinfonias. A música, a propósito, não só é manifestação de alegria como também sublime inspiração. Esteve tão presente na vida e na obra de Nietzsche que o filósofo contemporâneo Clément Rosset diz que sem a música não haveria filosofia nietzscheniana. Soa paradoxal em se tratando de um homem doente que aos 35 anos precisou migrar de país em país atrás de clima favorável, que aos 38 teve seu amor rejeitado e aos 45 foi acometido de uma crise de loucura que o perseguiu por 10 anos, até sua morte.

O paradoxo, aliás, permeia a assertiva nietzscheniana de que o homem verdadeiramente alegre pode ser reconhecido por sua incapacidade de explicar com o que fica alegre e de fornecer o motivo próprio de sua satisfação. Para ele, alegria é a força que nos impele à ação, nos põe para frente. Gottfried Leibniz (1646-1716) a definiu como um sentimento totalizante, pois quando presente ela se sobrepõe a todos os demais. Mas, ainda que para alguns seja apenas um contentamento passageiro, para Nietzsche e em especial Baruch de Espinosa (1632-1677), ela é um sentimento vital, afirmativo, que se confunde com a própria força para existir.

Para Espinosa, os afetos hu­­manos se baseiam no "conatus" (esforço em latim), a força intrínseca de cada ser para existir. Ela oscila ao longo da vida conforme as experiências tristes e alegres. A alegria ocorre quando se realiza uma potência. A potência de um pintor se dá ao encontrar o traço perfeito, de um jogador ao fazer o gol, da mãe ao dar à luz. Toda efetivação de uma potência é alegre, jamais o contrário. Embora tenha a angústia como catalisador, a tela O grito, de Edvard Munch, não é triste. A música de Vinícius de Moraes também não é triste, e tampouco o poema Na­­vio negreiro, de Castro Alves, mesmo tratando de dor e sofrimento.

Oposto da alegria, na concepção espinosiana a tristeza decorre da impossibilidade da criação, isto é, de tudo aquilo que impede que alguém desenvolva e realize suas potências. A tristeza é uma manifestação inerente à vida, um sentimento passageiro e até saudável, pois nos ajuda a elaborar perdas. Companheira do homem desde sempre, ela tem sido descaracterizada por uma má interpretação e confusão com a depressão, que acontece quando a tristeza persiste e há sensação de desesperança, apatia, indiferença, ausência de perspectiva e prazer.

A tristeza passou a ser tratada como doença em 1980, quando a Associação Americana de Psiquiatria tornou mais generalista o manual de diagnósticos para distúrbios mentais (DSM-4). Os sintomas descritos são: perda do humor; perda de interesse por atividades prazerosas; ganho de peso ou perda de apetite; insônia ou excesso de sono; agitação ou apatia; cansaço; sentimento de culpa e baixa autoestima; dificuldade de concentração e de decisão; pensamentos recorrentes sobre morte ou tentativa de suicídio. Se cinco deles durarem mais de duas semanas, o médico diagnostica depressão, sem levar em conta o contexto em que os sintomas aparecem.

O sociólogo Allan Horwitz e o psiquiatra Jerome Wakefield es­­creveram um livro para revelar como a psiquiatria transformou tristeza comum em desordem depressiva. A obra é uma crítica ao excesso de diagnósticos de depressão. Segundo eles, a Organização Mundial da Saúde (OMS) exagera ao estimar em 121 milhões os depressivos no mundo. A crítica está no fato de a OMS usar para fins estatísticos os sintomas da tristeza, que em alguns casos até podem ser os mesmos da depressão, sem considerar o contexto do acontecimento que deixou a pessoa triste. Incluem na mesma estatística quem sente uma tristeza normal e quem realmente é depressivo.

A cultura dos antidepressivos transformou em doença dificuldades que fazem parte da vida. A tristeza é uma resposta normal às nossas perdas cotidianas, como uma demissão, o fim de um namoro, a perda de um bem material, a notícia de uma doença. As pessoas estão intolerantes com as emoções negativas e preferem tomar medicamentos a investigá-las. Segundo Horwitz, está-se tratando quem levou um fora do namorado e não consegue se concentrar, dormir ou comer direito da mesma maneira que alguém com sintomas que persistem por longos períodos. Fluoxetina para minorar frustrações amorosas, como se fossem distúrbios mentais.

Há um valor propedêutico nesse sentimento tão renegado. A tristeza pela morte de alguém especial custa a passar, mas faz parte do curso natural das coisas. Todos nós vamos perder alguém um dia, assim como alguém irá nos perder. Mas há perdas – um bem material, um emprego, um relacionamento amoroso – que nos fazem refletir, rever atitudes, corrigir erros. São perdas que entristecem, mas fazem amadurecer e ajudam a encontrar equilíbrio na hora do recomeço. Para Horwitz, a tristeza é um sentimento valioso, que nos dá muitas informações sobre nós mesmos, importantes para o nosso desenvolvimento. Medicamentos podem apagá-las.

O debate sobre a tristeza existe há pelo menos 2.500 anos, quando os primeiros grandes pensadores começaram a questionar o papel dela na busca de sentido para a vida. Para Wakefield, a discussão tem ainda uma dimensão política na medida em que a busca pela felicidade individual pode tirar o foco do interesse coletivo. Uma forma de fazer da tristeza algo construtivo é buscar a família e os amigos, que além de apoio e inspiração podem ajudar a refletir sobre o significado do sentimento e daquilo que parece perdido. Um profissional, talvez um psicoterapeuta, pode ajudar a explorar a tristeza com mais profundidade e de uma maneira sistematizada.

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