A vida de Roberto Bolaño parece ter sido pensada ou escrita por ele próprio. (É possível que isso tenha ocorrido de fato, graças a interpretações equivocadas e à revelia do autor.) Chileno que produziu 20 livros em meio século de vida, somando romances, contos, poesia e não-ficção, ele morreu em 2003. No ano seguinte, já era reverenciado como o principal escritor de sua geração. Ele era original, inventivo e não viveu mais por causa de um problema no fígado, ligado talvez ao uso de heroína. E aqui começam as especulações em torno do autor de Estrela Distante, que acaba de sair no Brasil pela Companhia das Letras.
Existe um grupo que dá como certo o vício de Bolaño, enquanto outro a família dele inclusive diz que essa informação surgiu a partir do conto "A Praia", sobre um heroinômano. Alguém, em algum momento, tachou a história de autobiográfica e foi o que bastou para Bolaño virar um ex-viciado, além de ter trabalhado em todo tipo de subemprego enquanto procurava escrever seus livros. Não faltam suposições relacionadas ao homem e, em parte, elas respondem pelo culto que o mercado americano não hesitou em alimentar.
Muito rápido, a imprensa dos Estados Unidos criou a expressão "bolañomania" para dar conta do entusiasmo ligado ao chileno. No ano passado, quando saiu o romance 2666, de 900 páginas e inédito no Brasil, as resenhas menos entusiasmadas o chamaram de gênio.
Numa pequena introdução de Estrela Distante, o narrador informa que o romance surgiu a partir do último capítulo de La Literatura Nazi en América, não por acaso, o livro anterior de Bolaño. No mesmo texto, ele cita Pierre Menard, o personagem de Jorge Luis Borges (1899-1986) que reescreveu o Dom Quixote, de Cervantes. Borges e Bolaño gostam de histórias engenhosas, do tipo que apela mais ao cérebro do que às entranhas. Isso é particularmente verdade em Estrela Distante.
O protagonista é um poeta de nome Alberto Ruiz-Tagle, conhecido pelo narrador durante uma oficina literária antes do golpe de estado que mataria Salvador Allende e daria o poder a Augusto Pinochet. Ruiz-Tagle se torna Carlos Wieder durante a ditadura militar, um piloto de aviões que escreve poemas com fumaça nos céus da cidade de Concepción. Ele usa latim, cita a Bíblia e vira tema até para críticos literários.
O livro (e o narrador) acompanham esse personagem fascinante, tropeçando em informações falsas ou especulando sobre o que não se sabe.
Nas primeiras páginas, o vigor da escrita de Bolaño é acachapante. Ele é capaz de dar forma a uma ideia complexa em poucas linhas. À medida que a ação avança, se percebe que os personagens existem em função da ideia. E que o narrador é um falastrão capaz de metralhar um volume de informações que pouco tem a ver com o que se passa na história.
Visitando a casa de Stein, o professor da oficina literária, o narrador encontra duas fotografias na parede. Uma era dos pais de Stein. "A outra era o retrato um retrato oficial de um general do Exército Vermelho chamado Ivan Cherniakóvski. Segundo Stein, aquele havia sido o melhor general da Segunda Guerra Mundial. Bibiano, que entendia dessas coisas, mencionou Zhukov, Koniev, Rokossóvski, Vatutin e Malonóvski, mas Stein se manteve firme: Zhukov tinha sido brilhante e frio, Koniev era duro, provavelmente um filho da puta, Rokossóvski tinha talento e tinha Zhukov..." e assim ele segue nessa digressão sobre as fotos por mais cinco páginas num romance relativamente curto, de 140 páginas.
Bolaño não dá chances de o leitor se relacionar com os personagens. Eles aparecem e desaparecem, ou morrem sem que façam falta. É o tipo de leitura que pode encantar, mas não emociona. É muito bem concatenada, cheia de referências, citações, desvios e enigmas. É envolvente da maneira que uma partida de xadrez pode ser.
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