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A escritora Janet Malcolm também foi processada por uma de suas fontes, depois de publicar o livro Nos Arquivos de Freud | Nina Subin/Divulgação
A escritora Janet Malcolm também foi processada por uma de suas fontes, depois de publicar o livro Nos Arquivos de Freud| Foto: Nina Subin/Divulgação

Barganha

A nova edição de O Jornalista e o Assassino inaugura a coleção Jornalismo Literário em formato de bolso.

Nova

A edição atualizada do livro de Janet Malcolm ganhou um posfácio do jornalista Otávio Frias Filho, além de manter o texto que a autora escreveu para a edição original.

Ali

O próximo volume da série de bolso, previsto para junho, é O Rei do Mundo, a biografia do boxeador Muhammad Ali feita por David Remnick.

Ninguém deveria terminar a leitura de O Jornalista e o Assassino indiferente às ideias de Janet Malcolm. A senhora sorridente da fotografia nesta página tem uma capacidade de observação que a precede e um dos textos mais autênticos da imprensa norte-americana.

Publicado em 1990, o livro ensina mais sobre o jornalismo em 170 páginas do que muitas faculdades em quatro anos de curso. É famosa (e combatida) a frase de abertura do livro: "Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável".

Vamos aos fatos. Janet decidiu contar a história de Joe McGinniss (o jornalista) depois de receber uma carta e se inteirar do assunto. Ele havia acabado de fechar um acordo com Jeffrey MacDonald (o assassino), que o processou por fraude. A indenização resolvia o problema temporariamente, mas o caso abria um precedente perigoso.

Médico e militar, MacDonald foi condenado à prisão perpétua por ter assassinado a mulher grávida e as duas filhas. Havia sido inocentado em um tribunal militar, mas não teve a mesma sorte fora dele. McGinniss acompanhou o processo de perto, testemunhando reuniões e decisões do grupo que trabalhava em torno do réu. Em questão de semanas, o escritor se tornou amigo do médico. Aqui, vale uma nota: oito anos depois, no julgamento do jornalista, os advogados discutiriam a noção de "amigo" e também a de "verdade".

Na prisão, MacDonald se correspondeu com McGinniss durante dois anos e este lamentava a decisão do júri, dizia sentir falta da companhia de MacDonald e dava detalhes sobre os bastidores do mercado editorial. Quando Fatal Vision ganhou as prateleiras e também as listas de mais vendidos nos Estados Unidos, imagine a surpresa de MacDonald ao ver que o "amigo" fez um retrato tenebroso, descrevendo-o como um "narcisista patológico" e apontando-o como o culpado pelas mortes da mulher e das duas filhas.

O tempo inteiro, MacDonald achou que McGinniss acreditava na sua inocência e que escreveria o livro para defender essa visão dos fatos. Sentindo-se traído, decidiu processar o jornalista depois que um advogado interpretou o episódio como um caso clássico de fraude.

O desenrolar dos acontecimentos no tribunal, cuidadosamente descritos por Janet Malcolm, é um debate sobre o método jornalístico, com atenção especial à relação com as fontes.

De acordo com Janet, McGinniss não fez nada diferente do que qualquer jornalista é obrigado a fazer cotidianamente, usando algo que uma das testemunhas chamou de "inverdade" como quem cria uma categoria diferente de mentira. Enquanto esta se utiliza da má-fé, aquela serve para preservar o trabalho do jornalista e levar adiante a reportagem sem o risco de perder a fonte, que poderia se ofender se soubesse o que o repórter realmente pensa sobre um determinado assunto.

A "inverdade" seria, enfim, uma resposta evasiva, um meio de desviar do assunto e dar corda para o entrevistado continuar falando.

O posfácio de Otávio Frias Filho para a nova edição é uma análise minuciosa que contextualiza O Jornalista e o Assassino com outros textos de Janet Malcolm. Há também um posfácio da própria Janet, respondendo às acusações que recebeu na época do lançamento do livro. Ela também foi processada por uma fonte e a acusaram de escrever o livro como uma forma de expiação – o que não faz sentido, pois ela, de certa forma, defende MacDonald e critica a postura um tanto desesperada de McGinniss. Ele não queria perder o livro – um temor que tinha depois que MacDonald foi para a cadeia e surgiram outros escritores interessados na história –, precisava resolver seu problema financeiro e sofria para concluir o trabalho.

Para Janet Malcolm, o desespero e a situação pouco comum experimentada por McGinniss – que o deixou muito próximo da fonte por tempo demais – estão na origem dos problemas que levariam ao processo, encerrado mediante um acordo de US$ 325 mil.

Hoje, MacDonald continua cumprindo pena numa prisão federal enquanto McGinniss trabalha na biografia da política republicana Sarah Palin.

Serviço: O Jornalista e o Assassino, de Janet Malcolm. Tradução de Tomás Rosa Bueno. Companhia das Letras, 176 págs., R$ 21.

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