Faces do humor dos irmãos Coen

Desde o lançamento de seu primeiro longa-metragem, o thriller Gosto de Sangue (1984), os irmãos Ethan e Joel Coen construíram uma das filmografias mais profícuas, diversificadas e interessantes do cinema norte-americano.

Excelentes roteiristas e diretores inventivos, sempre em busca de novos caminhos estéticos e narrativos, eles também são criadores apaixonados pelo legado histórico do cinema norte-americano clássico, porém não se aproximam desse patrimônio de forma apenas reverente. E talvez esteja aí uma das explicações para a qualidade do que produzem: ao beberem da fonte de gêneros consagrados, como o western, o noir, a comédia romântica ou o filme de gângster, sempre tentam reinventá-los, fazê-los dialogar com novas possibilidades formais, dramáticas e tecnológicas da produção contemporânea.

Uma ótima amostra tanto do ecletismo quanto da capacidade de manter a qualidade do que produzem é a Coleção Irmãos Coen, lançada graças a uma parceria entre a Universal e a Livraria Cultura. A caixa, que custa apenas R$ 79,90, inclui seis filmes, realizados entre 1994 e 2004: Um Homem Sério(2009), Queime Depois de Ler (2008), O Amor Custa Caro(2003), E Aí Meu Irmão, Cadê Você? (2000), O Grande Lebowski (1998) e Na Roda da Fortuna (1994).

Embora a escolha dos títulos pareça um tanto aleatória, na verdade não é. Todos, cada um à sua maneira, são comédias – e o humor, mesmo nos filmes mais dramáticos dos Coen, como Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), é um dos traços fundamentais na obra da dupla, ainda que, por vezes, entre em cena como elemento estranho, dissonante.

Anti-herói

Um Homem Sério, o mais recente do lote, foi o único deles indicado ao Oscar de melhor filme – categoria já disputada por três outros longas dos Coen: Bravura Indômita (2010), o já citado Onde os Fracos... e Fargo (1996). Desse seleto grupo, no entanto, talvez seja o que teve a mais tímida repercussão comercial – no Brasil foi lançado direto em DVD. Talvez por se tratar de um projeto muito pessoal.

No filme, uma tragicomédia cheia de autoironia, os Coen se voltam à própria comunidade étnico-religiosa para contar a história de um anti-herói americano. Em 1967, Larry Gopnik (Michael Stuhlbarg), professor universitário de Física de origem judaica, enfrenta uma galopante crise existencial. A mulher o deixa por um colega seu, os filhos são um problema e tudo parece conduzi-lo ao desastre.

Diante de tal quadro de desolação, resta a Larry recorrer a três rabinos em busca de ajuda, numa saborosa crônica de costumes, que parece ser fruto de experiências vividas pelos irmãos cineastas em sua Minnesota natal.

Cult

Dos seis títulos que integram a coleção, contudo, nenhum é tão cultuado quanto O Grande Lebowski, levado muito mais a sério por seus fãs do que pelos diretores, que preferem se manter a certa distância do fenômeno gerado pelo longa. Nele, Jeff Bridges é também um anti-herói: The Dude ("O Cara"), um sujeito sem grandes ambições ou qualidades de caráter, ávido jogador de boliche, que se vê enredado numa trama concebida dentro do modelo clássico da comédia de troca de identidades, recorrente em Holly­­wood.

Adaptação livre de A Odisseia, poema épico de Homero, E Aí Meu Irmão, Cadê Você? se passa nos sul dos Estados Unidos, em plena era da Depressão, quando três presidiários – o sedutor e malandríssimo Everett Ulysses McGill (George Clooney), o amável Delmar (Tim Nelson) e o mau humorado Pete (John Tuturro) – conseguem fugir. E embarcar numa jornada algo surreal, embalada pela deliciosa e premiada trilha sonora produzida por T-Bone Burnett.

Serviço:Coleção Irmãos Coen. Universal/Livraria Cultura. Seis filmes. R$ 79,90, pelo site www.livrariacultura.com.br.