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Em 1938, Orson Welles, então um ilustre desconhecido, fez os Estados Unidos pararem graças a uma traquinagem criativa. Narrou, em rede nacional de rádio, trechos do romance Guerra dos Mundos, de H. G. Wells (de O Homem Invisível) como se fosse fato e não ficção. O país acreditou que a Terra estivesse sendo invadida por seres extraterrestres dispostos a fazer miséria. Mal sabia o diretor de Cidadão Kane que estava escrevendo seu nome de forma definitiva na história da cultura pop.

Passados 67 anos da genial e ousada extravagância de Welles, outro ícone das artes no século 20 decidiu revisitar o clássico de ficção científica. Fechando um ciclo iniciado em 1977 com Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Steven Spielberg quis fazer de sua versão de Guerra dos Mundos uma espécie de antítese de E.T. – O Extraterrestre, filme de 1982 que o catapultou como o diretor mais popular de sua geração.

Ao invés do alienígena fraterno, que vem ao planeta com o intuito de ensinar aos terráqueos lições de humanidade, os invasores de Guerra dos Mundos não chegam em missão de paz. Muito pelo contrário. A destruição da raça humana é a palavra de ordem. Pena que, na verdade, o tom assustador e tenso do enredo seja um mero pretexto e esteja a serviço de mais um exercício de bom-mocismo de Spielberg.

Espécie de metáfora não muito sutil sobre os tempos pós-11 de setembro, nos quais a vulnerabilidade dos Estados Unidos frente ao inesperado e ao desconhecido tornou-se evidente, o filme funciona bem em sua primeira metade.

A ação gira em torno de Ray (Tom Cruise), espécie de símbolo do homem comum, surpreendido pela iminência do fim do mundo em um momento crucial da vida: divorciado da mulher, ele é encarregado de hospedar seus filhos por um fim de semana. Como a relação entre o pai e suas crias – um adolescente ensimesmado (Justin Chatwin) e uma menina medrosa e insegura (Dakota Fenning) – não é das melhores, essa seria a oportunidade de fazer um ajuste de contas e tentar zerar os ressentimentos acumulados. Não dá tempo. O planeta começa a ser invadido por estranhas criaturas que brotam do chão e não deixam pedra sobre pedra.

Bem-narrado e com efeitos especiais impressionantes, Guerra dos Mundos se sustenta com desenvoltura até o momento em que os extraterrestres dão as caras e se revelam bem menos assustadores e originais do que se supunha. Mas não é esse o principal problema do filme.

Em seu terço final, Guerra dos Mundos, à revelia da pretensão de assustar e não enternecer, prova guardar embutido uma das marcas registradas do cinema de Spielberg: a crença na redenção.

De pai relapso e distanciado dos filhos, a possibilidade da destruição desperta no personagem de Tom Cruise instintos heróicos que, em última instância, servirão de ponte para resgatar o amor e a confiança perdidos nos vãos de uma casamentos mal-sucedido.

Em um desfecho risível, senão canhestro, Spielberg parece estar dizendo que foi preciso que o mundo acabasse e a raça humana fosse praticamente varrida da face da Terra para que Ray aprendesse lições de paternidade e se tornasse "uma pessoa melhor". Tenha a santa paciência! GG1/2

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