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Belo Horizonte, fim da década de 70. Aos 6 anos, Roberto Carlos Ramos já demonstra talento para contar histórias. Caçula de dez irmãos e morador de favela, é o escolhido por sua mãe para ir viver numa nova instituição anunciada pelo governo como uma oportunidade para aqueles que viviam na pobreza. "Era aquele começo da Febem pós-golpe, que tinha passado por uma grande reformulação e, além de abrigar os jovens que haviam cometido delitos, servia também como uma espécie de orfanato", afirma Luiz Villaça, diretor de "O contador de histórias", filme que deve estrear em 7 de agosto nos cinemas e que reconta, com certa liberdade poética, justamente a trajetória do jovem Roberto Carlos Ramos.

"A mãe dele podia escolher um filho para mandar para lá e achou que era uma grande chance para ele estudar. Pensa que de lá ele pode sair doutor, que ele terá casa, comida e roupa. Então a intenção dela ao mandá-lo para lá era a melhor do mundo. Ele ficou seis anos lá, mas, como sabemos, a Febem deu errado. Eu não entro em detalhes sobre isso, porque um filme definitivo sobre esse assunto já temos, que é ‘Pixote’. Mas eu mostro o uso que o Roberto faz da fantasia para enfrentar a realidade lá dentro."

Roberto Carlos fugiu diversas vezes da Febem. Roubava, cheirava cola. E aos 13 anos foi classificado como "irrecuperável" pela diretora da instituição. "o grande lance são as viradas da vida dele", define o cineasta, que descobriu "o contador de histórias" em um livro infantil que seu filho havia ganhado de presente. As viradas, no caso, são impulsionadas especialmente pela pedagoga francesa Margherit Duvas, que se encanta com o menino e cria com ele uma relação de amizade.

Caiu do céu

"Margherit caiu duas vezes do céu: uma na vida do Roberto e outra na minha", conta Villaça, que contou com a participação da atriz portuguesa Maria de Medeiros (de "Pulp fiction") no papel da pedagoga. "Precisava de uma mulher francesa que falasse português. A Maria é portuguesa, mas viveu muito tempo na França, ou seja, domina o francês e fala português. Mandei o roteiro para ela, que ficou encantada com a história. Poucas vezes na vida vi uma atriz ter um entendimento tão forte de um filme, nos falávamos quase que por olhar."

Na época em que trabalhavam juntos, a atriz foi nomeada pela Unesco "artista pela paz", o que abriu portas para que "O contador de histórias" chegasse até a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura. "O filme leva, agora, um selo da Unesco, um reconhecimento de que é um projeto que fala desses assuntos, que mostra que com educação e a cultura podemos chegar a algum lugar mais legal, mais interessante."

"O contador de histórias" traz ainda três atores vivendo Roberto Carlos – primeiro aos 6 anos, depois aos 13 anos, e finalmente como adulto. "O Daniel Henrique faz ele aos 6 anos; o Paulinho Mendes, aos 13 anos; e o Cleiton Santos o interpreta adulto. Fizemos uma pesquisa enorme em Belo Horizonte. Queríamos que eles fossem mineiros e que vivessem na periferia, porque, mesmo em tempos diferentes, queríamos que eles tivessem noção do que estavam falando."

Além disso, o longa conta ainda com a participação de Denise Fraga, mulher e parceira de Villaça em praticamente todos os trabalhos, seja na TV, no teatro ou no cinema, que produz o longa. "Tudo o que a gente fez na vida, produzimos juntos. Se não estamos juntos na frente e atrás das câmeras, estamos juntos de alguma forma. Ela fez também uma microparticipação especial, mas nem levou crédito. É mais afetiva mesmo, porque ela tinha que aparecer."

Filme de ficção

Depois de descobrir e se encantar com a história de Roberto Carlos, Villaça entrou em contato com o próprio, atualmente "um pedagogo formado com 40 e poucos anos", segundo o diretor. Disse que queria transformar a vida dele num filme, mas que seria uma obra de ficção, inspirada em sua jornada.

"Fiz um acordo com o Roberto que eu achei que era o mais justo para as duas partes. Pedi que ele confiasse em mim. Eu fazia o ‘Retrato falado’ [quadro do "Fantástico"] e sempre tive muito respeito pela história das pessoas. Portanto, nossa relação foi muito tranquila. Só nos encontramos de novo agora, há 20 dias, quando fui mostrar o filme pronto para ele."

Segundo Villaça, Roberto aprovou a produção. "Foi lindo. Ele ficou encantado, emocionado. Ficava me dizendo: ‘Com que delicadeza você tratou a história!’. Mas o que eu acho mais lindo é que o filme mostra o gigantesco talento que o povo brasileiro tem."

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