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Jaime Zenamon, que tem obras intermediadas por editoras | Hugo Harada / Gazeta do Povo
Jaime Zenamon, que tem obras intermediadas por editoras| Foto: Hugo Harada / Gazeta do Povo

A indústria fonográfica costuma ser a primeira coisa que vem à mente quando se fala em mudanças de suporte e modelos de mercado na era digital – e não é raro encontrar quem sinta falta da estrutura tradicional que as gravadoras davam à música popular. Mas a música erudita também sentiu o impacto das mudanças sobre um objeto prático não menos essencial em seu universo – as partituras. As formas de difusão e busca destas publicações estão em transição.

De acordo com músicos ouvidos pela Gazeta do Povo, até por volta do início dos anos 1980 um sistema funcionava bem: os compositores escreviam suas peças, que eram editadas e distribuídas pelas editoras (a mais emblemática delas é a Irmãos Vitale, até hoje em atividade). Os instrumentistas interessados pelas obras, em tese, conseguiam encontrar as edições com certa facilidade.

"A partir dos anos 1980, isso começou a declinar. E a situação ficou grave mesmo a partir dos anos 2000. Vi muitas editoras falirem", diz o violonista e compositor boliviano radicado em Curitiba Jaime Zenamon, que tem grande parte de sua obra intermediada por editoras.

"As empresas que imprimiam e vendiam praticamente desapareceram por causa da internet. Porque, hoje em dia, é muito fácil baixar o que você quiser. A primeira coisa que faz o intérprete é entrar na internet e procurar a partitura, ou pedir para alguém mandar a fotocópia", explica.

Problema e solução

O veneno, neste caso, é também o remédio, de acordo com a análise do compositor e musicólogo Harry Crowl. A lacuna das editoras de fato gerou dificuldades para buscar algumas obras, mas o cenário está se tornando positivo nos últimos anos. "Com o avanço dos programas de edição musical em computador e a possibilidade de se fazer download de partituras, isso não é mais um problema", diz Crowl. "Há sites internacionais na internet onde se pode baixar praticamente tudo o que existe em termos de partituras que estão em domínio público."

Especificidades

As partituras de composições para formações orquestrais ainda dependem da intermediação das editoras, já que os maestros precisam trabalhar com materiais de procedência rigorosa para as muitas partes que compõem este tipo de obra.

Mas as obras camerísticas ou que ainda não estão em domínio público dependem da postura de cada compositor e dos detentores das partituras. "O compositor, hoje em dia, tem também de ser um bom homem público. É preciso saber lidar com os negócios e com a arte, o que não é todo mundo que sabe fazer", diz Zenamon, se referindo aos trabalhos de edição, divulgação e distribuição que, antes assumidos pelas editoras, agora precisa ser feito pelo próprio músico. "Há compositores que sabemos que podemos procurar e achar alguma coisa nas ‘wikipédias’. Mas, se não colocarem as partituras na internet, e se não têm editoras, estão praticamente mortos."

Foco

As iniciativas individuais, seja para a divulgação de obras autorais ou de terceiros, sinaliza o potencial colaborativo da digitalização das partituras e da distribuição na rede. Mas o esforço para difundir os compositores eruditos depende também de ações que criem foco, conforme explica a assessora Técnica em Música do Departamento Nacional do Sesc, Sylvia Guida.

Ela é uma das envolvidas no projeto do portal Sesc Partituras, lançado em abril. Diante de um mercado cada vez menor, do preço alto das partituras (pesado, sobretudo, para os estudantes de música), da dificuldade de acesso a acervos particulares e bibliotecas (que não permitem cópia) e de edições esgotadas, o projeto se propõe a resgatar manuscritos, disponibilizar gratuitamente partituras digitalizadas no site www.sesc.com.br/sescpartituras/ e a ajudar a divulgar novas obras. "Mesmo para os compositores que vendem diretamente, é difícil essa difusão", diz Sylvia. "Nosso sonho seria criar um catálogo coletivo, que ele pudesse convergir para termos um grande mapeamento dos acervo do Musica Brasilis, do Instituto Moreira Salles, do Museu da Imagem e do Som. Gostaríamos de poder integrar esses catálogos para facilitar a busca dos usuários."

Esta obra em progresso, no entanto, não significa um momento de risco ou crise para a música, de acordo com Zenamon. "O nosso futuro é sombrio quanto à venda de partituras", diz. "Mas há intérpretes que me acham mesmo debaixo da terra. Quem quer encontrar, consegue."

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