O que representa a cultura do Sul do Brasil – as tradições gaúchas das centenas de CTGs espalhados pelo país? As etnias europeias que se instalaram na região? Ou expressões populares com raízes indígenas, lusitanas e afro-brasileiras, que resistem em poucos redutos?
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Não existe resposta simples para questões de cultura, explica Maria Eunice Maciel, professora de antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O tradicionalismo gaúcho, por exemplo, é a cultura tradicional mais cultivada na região – e a expressão do Sul mais reconhecida pelo restante do país, embora nem sempre seja vista como parte da brasilidade. É uma construção recente, do fim dos anos 1940, que não corresponde exatamente à cultura popular e folclórica do homem do campo que ela procura representar.
Enquanto isso, expressões que tradicionalmente pertenciam à cultura do Rio Grande do Sul, como um tipo de bumba-meu-boi e Ternos de Reis, estão cada vez menores ou deixando de existir.
A cultura tradicional, como é viva, sofre várias modificações e inclusive morre. Mas é substituída por outras coisas.
“A cultura tradicional ainda existe, é obvio, mas ela cada vez mais está localizada”, diz Maria Eunice – que cita, por exemplo, o crescimento do hip-hop na juventude do Rio Grande do Sul como exemplo da natureza dinâmica da cultura. “A cultura ‘tradicionalista’ não sofre tantas mudanças, porque o objetivo é que não sofra mesmo. Já a cultura tradicional, como é viva, sofre várias modificações e inclusive morre. Mas é substituída por outras coisas.”
E no Paraná?
No Paraná, o mesmo processo de encolhimento aconteceu com expressões populares tradicionais como o fandango, lembra o pesquisador Gehad Hajar.
Ele conta que o Paraná, com o movimento Paranista, chegou a tentar resgatar sua ligação com a cultura indígena – que deu origem a tradições como o churrasco. Mas o estado não soube se “vender” como os gaúchos. “A erva mate é paranaense, mas quem a decretou como símbolo foi o Rio Grande do Sul. E quem levou o café para São Paulo foram famílias de Guarapuava – mas é São Paulo que se ufana do café.”
“A erva mate é paranaense, mas quem a decretou como símbolo foi o Rio Grande do Sul. E quem levou o café para São Paulo foram famílias de Guarapuava – mas é São Paulo que se ufana do café.”
O pesquisador lembra que acabou prevalecendo por aqui a identificação com as culturas das levas de imigrantes mais recentes – uma característica que deve ser abraçada, independentemente do descuido com as expressões tradicionais. “É melhor que a gente assuma estas culturas de migração como parte de nós do que esquecê-las e deixar que virem algo marginalizado, como viraram as manifestações de raiz, que estamos tentando tirar do anonimato no século 21”, afirma.
Batendo a massa
Para Hajar, uma das razões para a falta de reconhecimento de uma identidade cultural “autônoma” do Paraná é a proximidade histórica das levas de imigrantes. “Nossa formação social é muito recente. Até os anos 1950, ainda havia notícias de gente que não falava português no bairro do Taboão, em Curitiba”, ilustra o pesquisador, ressaltando que os estrangeiros eram recebidos com resistência.
“Essa dificuldade de amálgama como povo nos atrasa. Temos uma série de etapas a cumprir até termos uma identidade”, diz.
O pesquisador compara a formação da cultura do Paraná à preparação de um bolo. “O problema é que o nosso ainda está assando. Conseguimos ver cada um dos ingredientes. Estamos batendo a massa”, diz. “Ainda é muito clara a influência do japonês, do árabe, do alemão.”
Hajar diz que não é possível prever qual será o resultado, mas ressalta que existem traços que já definem a cultura daqui, como o clima. “Temos que fazer o marketing para vender o bolo como o mais gostoso do Brasil”, defende.
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