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 | Rodrigo García/Divulgação
| Foto: Rodrigo García/Divulgação

Apesar de suas facetas universais, Gabriel García Márquez era a Colômbia, e a Colômbia era Gabriel García Márquez. Desde sempre. Desde aquele 9 de abril de 1948, quando o líder liberal Eliécer Gaitán foi morto, atingido pelas balas de um desconhecido ao sair de seu escritório no centro de Bogotá. A notícia de uma morte não anunciada atiçou a população, que se sublevou numa insurreição desordenada: mortos, saques e ruínas. Foi o chamado Bogotazo, que se estenderia por todo o país.

Em meio a esse furacão, Gabo começou no jornalismo. O escritor principiante, que oito meses antes havia publicado três contos no suplemento literário do jornal El Espectador, de Bogotá, cursava o segundo ano de Direito na Universidade Nacional, que fechou as portas depois do atentado. Gabo tentou a universidade de Barranquila, mas nada feito. Obstinado, seguiu pela primeira vez para Cartagena. Numa tarde, um amigo, vislumbrando o potencial daquele jovem de 21 anos, o levou à redação do El Universal. No dia 21 de maio de 1948, Gabo iniciou sua brilhante trajetória jornalística, com o primeiro texto de sua coluna, intitulada "Punto y Parte".

A posição política de Gabo, apesar de não ter influenciado diretamente sua obra literária, não poderia ser ignorada. Pois sua entrada no jornalismo deu-se na raiz de um problema – a violência – que avassalaria a Colômbia por décadas. E foi com bom humor que o escritor enfrentou os piores anos daqueles tempos, em que seu país era comandado por tiranos como Ospina Pérez, Laureano Gómez e Udaneta Arbeláez.

Em 5 de janeiro de 1950, Márquez estreou como colaborador do El Heraldo, jornal de Barranquila. Sob o pseudônimo de Septimus, assinava a coluna "La Jirafa". Com textos leves e por vezes engraçados, "La Jirafa" se tornaria popular e funcionaria como válvula de escape para que o escritor tratasse de violência e política com seu característico olhar humanizador. Talento reconhecido, Gabo passou a escrever editoriais e séries de reportagens. Trabalhou no jornal até julho de 1951.

De volta à Cartagena – cidade que inspiraria seus melhores romances –, Gabo aventurou-se com seu próprio jornal. O Comprimido circulou entre os dias 18 e 23 de setembro de 1951. Márquez era o diretor e – talvez – o único redator. O rompante combina com sua personalidade de sonhador, mas o Comprimido foi um projeto natimorto. Gabo voltou a colaborar com o El Heraldo em 1952, depois de passar algum tempo como vendedor de livros em Cartagena.

O sucesso de suas Jirafas rodava a Colômbia e definiu sua carreira. Em 1954, Gabo foi contratado pelo jornal El Espectador por um ótimo salário de 900 pesos mensais, dinheiro destinado quase integralmente a seus pais. De início, seu trabalho foi quase anônimo: Márquez reescrevia textos a partir de telegramas de agências de notícias. Mas o fazia com elegância extrema. A coluna "La Jirafa" ganhou continuação no novo jornal, e passou a se chamar "Día a Día". Gabo aventurou-se – não muito bem – como crítico de cinema e também foi correspondente na Europa. Até que a magia suplantou a realidade.

Um perfil sobre um marinheiro chamado Velasco foi a principal inspiração para seu romance Ninguém Escreve ao Coronel (1961). E, em algumas colunas, surgiriam protótipos dos elementos mágicos que caracterizariam definitivamente sua escrita, como "as amendoeiras brancas de pós" e "o rio pedregoso e transparente", que ressurgiria enaltecido anos depois, nas primeiras linhas de Cem Anos de Solidão (1967).

Pensar o futuro

Técnica, mas coração. Conversas, não entrevistas. Um texto impecável. O jornalista Gabo deixou as redações, mas nunca parou de refletir sobre seu ofício seminal. Em 1993, criou a Fundação Gabriel García Márquez para o Novo Jornalismo Ibero-Americano, em que propôs cursos e ciclos de debates para melhorar a "qualidade e a relevância" do jornalismo praticado atualmente.

Em um artigo publicado no jornal espanhol El País, em 1996, Gabo expõe seu descontentamento com a arte de reportar, que se vê sistematizada e refém da tecnologia. "As redações são laboratórios assépticos para navegantes solitários, onde se parece mais fácil comunicar-se com fenômenos siderais do que com o coração dos leitores. A desumanização é galopante", escreveu Gabo, escritor da magia e, simultaneamente, jornalista do real.

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