Tudo começou com "Coração Valente", mais de dez anos atrás, mas na época ninguém percebeu o que estava acontecendo, já que o filme obedecia a todas as convenções de um grande épico de Hollywood, embora fosse extremamente violento.

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Na verdade, a carreira de Mel Gibson como diretor está se convertendo em um longo ensaio sobre a crueldade humana ao longo dos tempos. Seja qual for a mensagem espiritual que os cristãos devotos possam ter tirado de "A Paixão de Cristo", seu filme de 2004, a violência desse drama chega a ser pornográfica.

Em "Apocalypto", Gibson e o co-roteirista Farhad Safinia se voltam para a civilização maia, que dominou o México e a América Central atuais entre 2.400 a.C. e o século 15 d.C. Passando por cima de seus avanços em planejamento urbano, matemática, arte, astronomia, agricultura e sistemas de escrita, eles optam por mostrar apenas sua barbárie. Homens caçam homens, violentam mulheres e sacrificam vítimas, arrancando corações de corpos ainda vivos.

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Mas "Apocalypto" não é um filme de exploração barata da violência, e sim um épico de primeira grandeza, que gira em torno da vontade de um homem de sobreviver para salvar sua família. Em outras palavras, obedecendo à boa tradição de Hollywood, tem herói, vilão, donzela esperando ser resgatada, indígenas exóticos e paisagens de tirar o fôlego e evocar espanto e terror.

Não há dúvida de que Gibson sabe fazer um filme que prende a atenção o tempo todo - mas também é verdade que ele é um cineasta sádico.

A história começa no momento em que a civilização maia vive seus últimos estertores. Numa floresta tropical tranquila, uma pequena comunidade de caçadores vive em harmonia com a natureza. Então a aldeia é atacada por mercenários em busca de vítimas para aplacar os deuses que lhes impuseram uma seca e uma praga.

Os homens e algumas poucas mulheres, que serão vendidas como escravas ou concubinas, são brutalmente amarrados a longas varas e levados até a cidade maia. Ali, os homens são mortos no topo de uma pirâmide, onde são pintados de azul e colocados sobre um altar. Uma faca é mergulhada em seus peitos, e seus corações são arrancados com precisão cirúrgica, sendo atirados no fogo, enquanto as cabeças são decepadas, e os corpos, atirados para baixo, para a alegria dos moradores reunidos da cidade. Quem disse que os maias não sabiam festejar?

A figura central é o pai de família Jaguar Paw (Pata de Jaguar), representado por Rudy Youngblood, um indígena americano carismático, dotado de considerável habilidade como atleta e ator. Pode-se afirmar, aliás, que a escolha do elenco é o que "Apocalypto" tem de melhor.

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Dalia Hernandez, uma dançarina e estudante mexicana, tem um rosto belíssimo que capta à perfeição o terror sentido por seu personagem, a mulher grávida de Pata de Jaguar, que fica para trás, escondida no poço da aldeia, que primeiro a protege e depois vira uma prisão para ela e seu filho.

O canadense Jonathan Brewer faz um personagem chamado Blunted (Sem fio), que vira alvo de todas as piadas. O ator do Novo México Raoul Trujillo é o líder guerreiro inimigo Zero Wolf (Zero Lobo), que captura Pata de Jaguar. Sua crueldade é superada por seu subordinado sádico Snake Ink (Tinta de Cobra), o ator mexicano Rodolfo Palácios.

Nos primeiros 85 minutos do filme, somos arrastados, junto com os cativos, para um mundo de caos e confusão. De repente, graças à intervenção divina representada por um eclipse solar, Pata de Jaguar escapa de seus captores. A partir desse momento, o filme vira uma história de perseguição, com Zero Lobo e seus homens caçando Pata de Jaguar na selva para matá-lo.

Como foi o caso com "Paixão de Cristo", Mel Gibson acha que os diálogos na linguagem antiga transportam o público para outro tempo e lugar. O roteiro foi traduzido para o dialeto maia falado na península de Yucatán hoje. Assim, os diálogos são legendados.

Em muitos momentos, porém, "Apocalypto" parece uma palestra de história ilustrada - mas sem texto. Assistimos a todo tipo de fenômenos culturais e naturais estranhos, sem termos qualquer pista quanto ao que significam.

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Por que a tribo que vivia na floresta não tem sistema de defesa? O que significam as tatuagens, as jóias e os adornos usados nas cabeças? Por que as vítimas sacrificais são pintadas de azul? O único consolo é saber que alguns professores universitários vão conseguir compreender este filme.