Gilberto Gil no Back2Black, em Londres, neste domingo| Foto: Divulgação

É raro ver um show que amarre todas as pontas de um festival como fez o de Gilberto Gil no Back2Black, em Londres, neste domingo. Ao fim da noite, todos afluentes musicais que desaguaram no Tâmisa durante três dias de shows - o blues do Mali, o suingue do Congo, as rimas brasileiras - pareciam ter anunciado que um negro cosmopolita de 70 anos, disposição invejável, ainda capaz de dar vida a covers de Bob Marley e composições próprias que já ouvimos dezenas de vezes, diria o amém final.

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Isto, sem prepotência ou ufanismo. Gil pediu licença com "Realce", se fez à vontade com "Tempo Rei" e, quando chegou em "A Novidade", a terceira, já tinha a plateia de 2.800 pessoas nas mãos. Tocou reggae, forró e ijexá. Mostrou ao público como se dança um cortejo de afoxé. Em suma, simbolizou, em uma escala de maior alcance, a força coletiva, o êxtase rítmico, o axé, como diriam os devotos, que vibra ao centro de todas as manifestações musicais africanas presentes na programação do festival.

Muitos na plateia eram brasileiros expatriados, assim como foi Gil, quando mudou-se para cá, em 1969. Dançavam em busca de algo que lembrasse a terrinha e, na medida em que o show decolava, com arranjos renovados de "Palco", "Drão" e "No Woman No Cry" - os mesmos que Gil tocou em São Paulo, durante a Virada Cultural - encontravam identidade coletiva, "o home away from home", como eles dizem.

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Em proporções menores, foi este o clima do primeiro Back2Black realizado fora do País. O tempo ajudou, com céus abertos de sexta a domingo sobre o Old Billingsgate Market, o antigo mercado de peixe transformado em caprichada casa de shows. Todos os 7.700 ingressos foram vendidos. Nos três palcos do festival (um à beira do Tâmisa, outro dentro do edifício e um terceiro no subsolo) ouviu-se todos os tipos de ritmos organizados por uma curadoria que tem um olhar conservador sobre a música negra contemporânea, mas que acertou com os feras da world music que contratou. Entre eles, o destaque foi o casal de cegos do Mali, Amadou & Mariam, que fez um show tão benevolente quanto o de Gil.

Outro grande show foi feito pelo congolês Jupiter Bokondi, líder do Jupiter Okwess International, que toca highlife, afrobeat e todos híbridos de afrofunk imagináveis. Jupiter tem uma história interessante. É de uma família de griots, os historiadores e músicos africanos, sobreviveu à guerra civil do Congo e, depois de muitos anos no anonimato, está cotado para ser uma das descobertas da world music com o disco que irá lançar ainda este ano. Outro mestre griot, Toumani Diabaté, também participou do Back2Black, em uma mistureba de world music aparentemente inconcebível, que juntou sobre o mesmo palco Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra e o músico malinês.

Embora este encontro da MPB com a kora de Diabaté tenha parecido um pouco forçado, demasiadamente elaborado para atrair fãs de world music, nos momentos em que Diabaté solava não havia dúvidas sobre o fato de estarmos na presença de um mestre. Outro mestre, Vieux Farka Touré, filho do lendário guitarrista malinense Ali Farka Touré, também impressionou com suas pentatônicas do Oeste Africano, que sempre nos lembram de que o blues já era blues muito antes de imigrar para o delta do Mississipi. O show mais insosso ficou por conta de Jorge Ben Jor que, ao contrário de Gilberto Gil, não teve muito tesão ao tocar seus sucessos. Claro que aqui cabe um desconto. Afinal, tocar "Mas Que Nada" há mais de quarenta anos não é tarefa fácil.