Aparelhos de GPS estão com o preço em queda e se popularizando| Foto: Reprodução/Globo Online

Uma abstração, uma colagem, uma performance e uma instalação são manifestações legitimadas da arte contemporânea. Mas, diante de muitas delas, não é raro o espectador leigo a exclamar: "Isso até eu faço!". A reação – de desdém ou mesmo de revolta – é sintomática. Há uma distância entre o público comum e a chamada arte contemporânea.

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O que está em questão quando uma exclamação como essa surge é o próprio conceito de arte – sua abrangência. Formulá-la implica o julgamento de que, se qualquer um é capaz de fazer igual, aquilo não é arte, porque não exige nem técnica sofisticada nem conceito genial. É esse o ponto que separa quem concorda com o "julgamento popular", como o poeta e crítico de arte Affonso Romano de Sant' Anna, de quem dele discorda, como Teixeira Coelho, o curador geral do Masp.

Este último faz parte de um grupo que concebe a arte como uma manifestação que já rompeu todas as fronteiras e cujo mérito decorre menos do virtuosismo técnico do que da reflexão. É o ponto de vista sustentado pelo notório crítico de arte da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, Arthur Danto, para quem a arte contemporânea inaugura o período, pós-História da Arte, de liberdade estética, no qual "tudo é permitido". Ou seja, qualquer coisa pode ser arte – desde que um artista lhe atribua esse status e seu discurso seja aceito pelo meio artístico.

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Teixeira Coelho acredita que julgamentos como "isso eu também faço" são ilusórios. O primeiro equívoco estaria em pensar que a técnica foi dispensada da arte contemporânea. Ele cita o abstracionismo de um pintor como Pollock e desafia: o leigo, diante de uma tela em branco, passará anos tentando sem conseguir fazer igual. Mesmo em casos em que a técnica é, de fato, simples, como na arte povera, o que conta, segundo ele, é o conceito – e este "não está ao alcance rigorosamente de qualquer um".

O que distancia o público da arte contemporânea, na opinião do curador, é a "fixação num padrão figurativo, bem feitinho, nas reproduções fotográficas da realidade que pressupõem uma alta técnica". Esse "atraso" seria causado pela deficiência da educação para a arte no país. "A arte não faz parte dos currículos, a exposição do público à arte contemporânea é mínima. E ela é um exercício de reflexão, não de instantaneidade", argumenta.

A crítica de Affonso Romano de Santa' Anna corre em sentido contrário. O autor reforça o coro do "isso eu também faço", assumindo que ele mesmo se sente assim quando confrontado com obras semelhantes às de Duchamp (criador do "Urinol" e do "Paysage Fatif" – que consiste do esperma do artista) e Piero Manzoni (autor da lata intitulada "Merda do Artista").

Santa´ Anna prepara para 2008 o livro Duchamp, a Construção do Mito, no qual analisa "a falácia de certos conceitos fundadores da pós-modernidade". E avisa: "Minha briga é de cachorro grande. Estou dialogando com Duchamp, Otavio Paz, Foucalt, Derridá, Barthes, Jean Clair, Clement Greenberg e outros, mostrando que produziram um discurso alucinado e pouco crítico".

O escritor se opõe à idéia da "liberdade geral" nas artes, que teria sido estabelecida a partir de Duchamp – o deflagrador da crise na arte contemporânea ao defini-la como "agir". "Se ‘agir’ é arte, então todo mundo que age é artista. O que é uma tolice", afirma. Tal concepção artística falharia ao confundir a arte com os domínios do espetáculo e da diversão.

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"Quem diz que arte não tem limites está se enganando e tentando enganar os outros. Tudo tem limites. E a arte que decretou que a transgressão é uma ordem, já criou limites para si mesma. Essa arte oficial, chamada de arte contemporânea, caiu num paradoxo sem saída: está totalmente perdida. Todo dia tem matéria sobre os esgotamentos das bienais", argumenta o crítico.