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Em Verão, a musicalidade das frases de Coetzee tem um efeito tremendo sobre a leitura do texto | Bert Nienhuis/Divulgação
Em Verão, a musicalidade das frases de Coetzee tem um efeito tremendo sobre a leitura do texto| Foto: Bert Nienhuis/Divulgação

Cronologia

Saiba mais sobre a obra do autor sul-africano

Trilogia

O romance Verão, publicado no ano passado em inglês, sai agora no Brasil e conclui a trilogia Cenas da Vida na Província, da qual fazem parte Infância e Juventude.

Lançamento

Pelo selo de bolso, a Companhia das Letras acaba de lançar Infância (a Best Seller o publicou como Cenas de uma Vida em 1998), enquanto Verão chega às livrarias no fim deste mês.

IBM

Em Juventude, Coetzee aborda os anos em que estudou na universidade e se formou para trabalhar na IBM durante um tempo – função que considerava miserável. Uma particularidade do livro é o fato de o autor falar de si mesmo na terceira pessoa, usando sempre "ele".

Pais

Infância tem como cenário a África do Sul do pós-Segunda Guerra Mundial, quando Coetzee, hoje sexagenário, era apenas uma criança vivendo com o pai perdulário e a mãe indiferente.

Bibliografia

No Brasil, hoje, seus romances são da Companhia das Letras, que editou: À Espera dos Bárbaros, Desonra, Diário de um Ano Ruim, Elizabeth Costello, Homem Lento, Infância, Juventude, O Mestre de São Petersburgo, Verão, A Vida dos Animais e Vida e Época de Michael K.

Marginal

A Academia Sueca concedeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2003 para Coetzee como um autor que "retrata de várias formas o surpreendente envolvimento de quem está à margem".

Curador

Coetzee vive em Adelaide, na Austrália, onde assumiu a curadoria de um evento literário que teve, entre os convidados deste ano, o escritor Cristovão Tezza.

O engenho de J.M. Coetzee ao manusear fato e ficção, misturando-os até que se transformem numa massa uniforme na qual é impossível discerni-los, é uma das características mais surpreendentes de Verão, que a Companhia das Letras lança na última semana deste mês.

Embora possa ser lido de forma independente, o novo romance do autor sul-africano faz parte de uma trilogia, Cenas da Vida na Província, formada por Infância (relançado há poucos dias, no formato de bolso) e Juventude.

Nos dois primeiros volumes da tríade, Coetzee (as iniciais são para John Maxwell) usou a terceira pessoa para falar de si mesmo, narrando eventos que marcaram os primeiros momentos de sua vida ao lado dos pais e do interesse na literatura – a leitura de Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, aos 9 anos, foi transformadora –, e os anos de descobertas como estudante de Matemática e, mais tarde, como um funcionário insatisfeito da IBM.

O pacto proposto por Verão é o ficcional. Nada do que está escrito ali é verdade, ou melhor, é verdade apenas no mundo da ficção (uma frase ótima que aparece na página de dados catalográficos de alguns livros). A ideia do pacto parece mais relevante nos dias atuais, talvez porque são muitos os autores que partem de experiências pessoais para escrever, ou porque usam várias referências que fincam as invenções no mundo de fato. No fundo, todo texto que reconstrói um acontecimento é uma ficção, mas a discussão não é tão simples assim.

A narrativa abre com fragmentos de um diário escrito por Coetzee entre 1972 e 75, época que mar­­cou o seu retorno dos Estados Unidos para a África do Sul em pleno apartheid, e fecha com outros não datados. O escritor está morto e esses trechos fazem parte de um material a ser usado pelo acadêmico britânico Vincent, que planeja escrever uma biografia do respeitado autor de À Espera dos Bárbaros.

Entre um extremo e outro, se acompanha as peripécias de Vincent em entrevistas com pessoas que conviveram com Coetzee. São cinco entrevistados. À exceção do homem, Martin, um professor colega de trabalho, as quatro mulheres viveram histórias amorosas com o biografado.

A edição brasileira do livro – assim como a americana – abriu mão de parte do jogo proposto pelo romancista. O volume publicado pela Harvill Secker, de Londres, traz na orelha uma foto antiga do autor, aos 30 e poucos anos (hoje ele tem 60) – exatamente o período descrito nos diários. A capa mostra a imagem de uma estrada de chão numa paisagem árida e, nela, há uma caminhonete branca e detonada. A fotografia também está vinculada à história.

No texto, a musicalidade das frases tem um efeito tremendo sobre a leitura – é sempre fascinante seguir a lógica de Coetzee. A certa altura, ele escreve sobre o quanto a sociedade desdenha o conhecimento e a conclusão a que chega é revoltante. Mas o desdém é relativo porque o escritor foi valorizado, por exemplo, pelo Prêmio Nobel de Literatura em 2003.

Se for encarado como um romance autobiográfico – já que faz parte de uma trilogia memorialística –, Verão ganha nuances ainda mais instigantes pelo fato de que Coetzee é implacável ao falar de si mesmo. Os entrevistados mencionam qualidades, mas não hesitam em comentar o quanto ele é inadequado para se relacionar com uma mulher, arrogante com a família, ou simplesmente esquisito.

Na relação com a imprensa, Coetzee resiste a falar da própria obra e sob circunstância nenhuma comenta sua vida íntima. Talvez para não disperdiçar potenciais temas para livros. Não por acaso, o personagem de Verão é um homem de ambições literárias capaz de se orgulhar com a publicação de um romance. Ao longo da narrativa, há ainda inúmeras opiniões – sutis, mas importantes – sobre o que é ficção.

Uma delas aparece quando a vizinha Julia se desculpa para o biógrafo por inventar diálogos inteiros ocorridos décadas antes, mas argumenta que seu relato é fiel à essência do que aconteceu no passado e que isso (inventar) não deve ser um problema porque, afinal, ela está falando de um escritor.

Nos romances, a ficção dá acesso a uma verdade essencial ligada à vida e a tudo o que ela implica que jamais seria tangível de outra forma. E isso é ainda mais evidente ao ler um livro de Coetzee. GGGG

Serviço

Verão, de J.M. Coetzee. Companhia das Letras, 280 págs., R$ 44,50.

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