Atrair a atenção de uma criança e fazê-la acreditar em personagens fictícios parece uma tarefa relativamente fácil. Com isso em mente, muitos adultos se fantasiam de Papai Noel durante as comemorações natalinas, a fim de romantizar um pouco a entrega dos presentes aos pequenos. Qual não é a surpresa quando elas se apavoram diante do velho barbudo e irrompem em um choro histérico, como estivessem diante de um monstro?
O mestre bonequeiro Manoel Kobachuk, 65 anos, conhece muito bem os motivos que levam a essa reação: trauma. "Bastou você se aproximar de uma maneira não perceptível, com um movimento brusco, imprevisto pela criança, para agredi-la ou traumatizá-la. Um comportamento inadequado transforma aquela viagem sensorial que se estabeleceu na cabeça dela em um trauma difícil de corrigir", ressalta.
Há mais de três décadas trabalhando com teatro de bonecos voltado ao público infantil, Kobachuk conhece mais do que ninguém o que se passa na cabeça das crianças. Sabe de todas as sutilezas que devem ser consideradas ao se montar um espetáculo direcionado a elas. E como elas, também detesta repetições. Prova disso é Colorê Minguê (confira o serviço completo do espetáculo), mais recente espetáculo de sua companhia, em cartaz no Teatro Regina Vogue até o fim deste mês.
Releituras
Primeiro trabalho de Kobachuk desde que ele deixou a administração do Teatro Dr. Botica, no final de 2009, o espetáculo conta a história de Azulnil e Amarelouro, um casal de crianças que se recusa a aceitar o fato de não poder se relacionar uma com a outra porque vivem em mundos de cores distintas. Kobachuk fez de tudo para não se deixar contaminar pela primeira (e premiadíssima) versão da peça, originalmente montada no início dos anos 80, pelo Grupo Carreta, do qual fazia parte, quando morava em São Paulo. Trocou o certo pelo duvidoso, movido pela consciência de que "a criança mudou". "O comportamento, a educação, os costumes, os valores. É tudo diferente", analisa.
O bonequeiro teve a certeza disso na reestreia de outro de seus espetáculos: A Margarida Curiosa Visita a Floresta Negra, há três anos. Agraciada com os mais importantes prêmios do país no fim dos anos 70, a montagem, na época, era voltada a alunos da pré-escola à 4.ª série. Na primeira noite de sua voltar ao cartaz, Kobachuk percebeu uma movimentação um tanto curiosa. "Tomamos um susto quando vimos garotos de 3.ª e 4.ª séries torcendo o nariz, incomodados. O trabalho já não se adequava àquela faixa etária", lembra. Hoje a peça é apresentada para alunos do pré à 2.ª série, no máximo.
E no caso dos pimpolhos, nem adianta insistir. "Se você leva um espetáculo que não sintoniza com a expectativa do público adulto, a luz está apagada, ele pode fazer cara feia, que você nem vai perceber. A criança não. Se não há sintonia, seja no escuro ou no claro, ela levanta, se mexe sem parar, fala, reclama, resmunga e não tem jeito", conta, entre risos.
Por isso, Kobachuk exige que todos os profissionais de sua companhia sejam intérpretes do sonoplasta ao iluminador. "Antes de começar a peça, todos precisam perceber qual é o perfil do público que temos naquele dia. Às vezes é necessário abdicar de certas soluções por causa daquela criança. É preciso ter flexibilidade e muito preparo. Do contrário, ela fica traumatizada. Para mim, essa preocupação é ainda mais importante que o próprio texto da peça", ensina o mestre.
Serviço:Colorê Minguê (confira o serviço completo do espetáculo). Teatro Regina Vogue Shopping Estação (Av. Sete de Setembro, 2.775), (41) 2101-8293. Texto e direção de Manoel Kobachuk. Com Alejandro Dominguez, Bernardo Kobachuk, Claudio Miiller e Pedro Kobachuk. De quinta-feira a domingo, às 16 horas. Ingressos a R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada). Até 30 de janeiro.
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