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Salman Rushdie posa com um cacho de uvas para Daniel Mordzinski | Daniel Mordzinski/Reprodução
Salman Rushdie posa com um cacho de uvas para Daniel Mordzinski| Foto: Daniel Mordzinski/Reprodução

Entrevista

"Foto e literatura são mundos complementares"

Como você começou a fotografar escritores?

Em 1978, tinha 18 anos e estava trabalhando como segundo assistente de direção no set de Borges para Milhões, um filme do cineasta Ricardo Wullicher. Eu não imaginava, naquele momento, a aventura que estava diante de minha lente ao registrar o depoimento do escritor. Lembro-me dos esforços de Jorge Luis Borges para atender às minhas exigências e sua aura imponente de poeta cego.

E que relação você vê entre a fotografia e a literatura?

São mundos complementares, pelo menos, da forma como eu vejo. A fotografia de escritores é outra porta para a imaginação do leitor. Quem lê sente curiosidade, cumplicidade e outras emoções que nos abrem as portas da fantasia, da imaginação, do conhecimento e de nós mesmos. São jogos de ida e volta entre escritores e leitores, e por vezes, uma simples imagem pode contribuir. Fotografar escritores foi a maneira que encontrei de contribuir neste maravilhoso milagre que é a literatura. Acho que teria sido capaz escrever como um louco, mas eu me sinto muito mais livre e mais honesto comigo mesmo, cultuando essa parcela incompleta das letras em imagens.

Galeria

Daniel Mordzinski

Para conhecer melhor o trabalho do fotógrafo, acesse o site www.danielmordzinski.com.

  • Autores e hotéis: José Saramago mira o horizonte
  • Vargas Llosa escreve suas anotações na cama do hotel
  • Ensaio com Jorge Luis Borges deu origem ao

Nos últimos 35 anos, o fotógrafo argentino Daniel Mordzinski tem se dedicado a um projeto de vida: capturar imagens de escritores ibero-americanos em quartos de hotéis pelo mundo afora.

Sua lente já flagrou instantes de intimidade de autores em plena ação, como José Saramago (1922-2010) e Mario Vargas Llosa, e também muitos divertidos e bem-humorados, como o ensaio em que o perseguido autor indiano Salman Rushdie posa comendo um cacho de uvas como "um fauno de paisagem de tapete".

No geral, são centenas de autores de três gerações diferentes que formam o que o autor define como "atlas humano" da literatura ibero-americana. Empreitada que começou em grande estilo, quando Mordzinski, aos 18 anos, fotografou o seu conterrâneo Jorge Luis Borges (1899-1986) nos bastidores da filmagem de um documentário (leia mais ao lado).

O fotógrafo está no Brasil para uma série de exposições que passaram por Brasília e São Paulo e cujo ponto alto será a mostra Quartos da Escrita – Retratos de Escritores em Hotéis, que enfoca 70 grandes autores da literatura mundial, como Gabriel García Márquez (1927-2014), Luis Fernando Verissimo e outros. A exposição será o evento principal da segunda Fliaraxá, o Festival Literário de Araxá, que será realizado entre os dias 9 e 12 de outubro na cidade do Triângulo Mineiro.

Mordzinski conta que o tema se impôs em sua carreira, pois "a literatura alimenta meus sonhos e minha vida". "Eu não posso imaginar a vida sem literatura. Quando era um adolescente na Argentina, houve uma ditadura militar terrível e ler me salvou, porque me ajudou a imaginar que outro mundo é possível: um mundo mais livre e mais justo", explica Mordzinski.

Ele conta que na mesma época percebeu que a literatura também servia para fins românticos. "Descobri que as meninas gostavam de quem contasse histórias e percebi que minhas leituras enriqueciam minhas conversas", brinca.

Cumplicidade

Dos autores brasileiros, ele diz que seu personagem preferido era Jorge Amado(1912-2001). "Tive a honra de fotografá-lo dezenas de vezes em Paris. Costumávamos nos encontrar em seu apartamento no Quais d’Orsay Celestines. Zélia [Gattai, 1916-2008] nos preparava um café e eu o acompanhava quando ia fazer compras ou visitava alguma exposição", lembra.

Em sua busca incessante pelas fotos de literatos em hotéis, o argentino conta que seus maiores rivais são o tempo e a morte. "O problema surge quando o tempo passa e não consigo fazer fotos de um escritor que me interessa e, infelizmente, um evento fatal acontece", pondera.

Biografia

Parte do arquivo do fotógrafo foi parar no lixo

Daniel Mordzinski nasceu em Buenos Aires em 1960. Atualmente vive em Paris, onde é correspondente do jornal espanhol El País e outros veículos. É o fotografo oficial de vários festivais e eventos literários, como o Hay Festival (que ocorre anualmente entre maio e junho, no País de Gales).

Desde 1978, Mordzinski se dedica a fotografar o "atlas humano" da literatura ibero-americana, registrando centenas de autores de três gerações diferentes. O fotógrafo já lançou 16 livros com seu trabalho e recebeu vários prêmios internacionais.

Em 2013, grande parte dessa obra, negativos e dispositivos nunca digitalizados, foi jogada no lixo por erro de funcionários do jornal francês Le Monde, em cuja sede o fotógrafo ocupava um escritório.

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