Após um intervalo de seis anos, Antônio Carlos Viana retorna ao mercado editorial com uma publicação digna para celebrar os 40 anos de sua carreira como escritor.
Jeito de Matar Lagartas, lançado em fevereiro pela Companhia das Letras, reúne 27 contos que recortam e ampliam cenas de cotidianos aparentemente banais, mas que ganham significados distintos pelos curiosos destinos de medo e tragédia ao quais os personagens são submetidos.
- Eu amo hóquei
- Mas você conhece Gabriel Pasternak?!
- Quem dorme debaixo do bondinho?
São histórias que surpreendem. Não apenas pela maneira como o escritor sergipano trabalha sua narrativa – mantendo-se afastado dos personagens e deixando que o próprio leitor julgue os acontecimentos, sem predeterminar personalidades –, mas também pela habilidade em elevar o grotesco a um patamar meditativo.
LIVRO
Antonio Carlos Viana. Companhia das Letras, 152 pps. R$ 34,90 e R$ 23,90 (e-book).
É o caso de A Muralha da China, conto inicial da obra. Nela, o narrador, em primeira pessoa, relembra o dia da morte de seu amigo e vizinho e reconstrói a encenação armada para que a mãe do garoto fosse informada sobre a tragédia.
No mesmo estilo narrativo está Cara de Boneca, que faz a sexualidade juvenil comprometer a vida do catador de lixo Seu Lilá, com quem, em uma relação de subordinação, os ainda meninos encaram os primeiros desejos da vida adulta.
Quase que na sua totalidade, Jeito de Matar Lagartas é uma coletânea de textos que confrontam a racionalidade do homem e que transitam entre infância e a velhice a partir de várias perspectivas – embora todas se unam na ideia de que o avanço da idade corrói mais a alma do que a pele.
A exemplo disto está Roteiro da Solidão, em que a burlesca dona Ineide põe a casa à venda só para receber os interessados e, assim, ter com quem conversar. A ideia rende a ela o encontro com o grande amor de sua vida que, ao revidar o interesse adormecido, some para nunca mais voltar.
Em Florais, uma das melhores histórias do livro, Viana vai mais além: faz a viúva dona Delfina, que reencontra a vivacidade dentro de um corpo esquecido, perceber ao lado de um homem muito mais novo que ela “que o amor exige desrespeito, senão fica incompleto”.
A retratação de angústias e temores femininos é, aliás, uma das habilidades mais pulsantes de Viana nesta obra. Nota-se que há uma preferência em colocá-las no centro dos acontecimentos e priorizar, sobretudo, aquelas que parecem não ter mais conexão com a realidade em que vivem.
São narrativas assim, estruturadas sobre acontecimentos que parecem à primeira vista superficiais, mas que de certa forma derrubam a barreira do preconceito que separa a sociedade do prazer e do terror, que dão fôlego a Jeito de Matar Lagartas. Junto a isso, a habilidade em dar nova vida ao medíocre e a forma concisa e prazerosa da escrita certamente ajudam a ratificar Viana como um dos melhores contistas da atualidade.
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