
Quem já conviveu com alguém que lida com crises de pânico não vai achar graça em “Depois a louca sou eu”. A incapacidade de participar de qualquer evento social sem sofrer, as gafes, idas urgentes ao banheiro e até desmaios deixam de ser uma excentricidade para se tornar um quadro clínico.
Porém, a colunista da Folha de S.Paulo e roteirista Tati Bernardi usa de tanta sinceridade – e daquele exagero típico dos bons cronistas – que o tema se torna cativante. E mais leve.
Tati faz um relato ligado em 220 volts sobre as dificuldades com a ansiedade crônica. Perpassa de tal forma eventos do passado, incluindo a infância, que beira a autobiografia. Mas a definição perfeita para seu texto é a crônica, gênero híbrido e fluente com o qual a coragem (e vaidade?) de Tati contribuem.
São características que fazem de “Depois a louca sou eu” quase um thriller. Uma das qualidades é a forma como ela costurou eventos em pacotinhos que rendem capítulos-crônicas, que sobreviveriam sozinhos num jornal, mas não são desconexos como por vezes acontece com publicações de cronistas.
Aos sete anos achei ter encontrado uma antena de barata dentro de um saco de salgadinhos. Mostrei à professora e ela disse: ‘não é nada, vai pra fila
Começa pelo prólogo, em que ela faz uma cativante justificativa para a existência de um livro sobre seus medos. Depois fala de como situações que a tiram da zona de conforto, geralmente em grupo, lhe dão vontade de fugir.
Ela flerta com a poesia ao cogitar qual teria sido sua primeira crise de pânico. Num táxi, numa viagem, quando menina?
Lembra das primeiras somatizações, quando começou a ciranda de causa e efeito entre situações que geram ansiedade e dor de barriga.
A procura por “curas naturais”. A inevitável imersão nos remédios. As fobias específicas, como o medo de encontrar pata de barata na comida. O difícil aprendizado para dizer “não”.
O medo de ter medo.
O medo de vomitar.
Em meio a essas confissões, a pimenta do sexo surge do outro lado da balança das neuroses. Parece um escape, uma possibilidade de ser feliz. Até tornar-se ela também uma neurose. Pode-se imaginar o quanto a pressão da adolescência, dos relacionamentos que acabam e a pressão por filhos ampliam a ansiedade pré-existente.
A autora salienta que um namoro com alguém “normal” pode ser frustrante para um ansioso, que costuma se dar melhor com outra pessoa pilhada – até que os dois se ameacem de morte.
O autorretrato de Tati faz pensar em alguém esquelético, de cabelos mal cuidados com óculos de fundo de garrafa. Mas a foto de divulgação comprova o quanto a crônica tem de ficção: ela é linda.
Um momento de identificação: “Preciso logo conquistar o coração de todos, preciso logo saber que meu arroto seria aceito ali. Justamente para que eu nunca arrote, preciso saber que seria perdoada caso arrotasse.”



