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Na berlinda

Função: formar público

O crítico e pesquisador de arte Paulo Reis considera que o modelo de exposição com o formato de bienal, nascido no fim do século 19, com a Bienal de Veneza, perdeu seu sentido original. "Não penso na perda de valor deste modelo, mas é preciso refletir sobre seu sentido na contemporaneidade".

Ele concorda com o crítico Rodrigo Naves ao dizer que uma bienal não deve servir como termômetro, que mostre as "últimas tendências" da arte. Sugere que ela deva funcionar como "uma bússola, no sentido de nos mostrar de que maneira as questões mais prementes do mundo, e não só do mundo da arte, estão sendo exploradas pelas artes visuais".

Para ele, a Bienal de São Paulo deve ter, "como sempre teve", uma função para São Paulo e para todo o Brasil. Entre elas, a formação de espectadores interessados em arte. Cita a chamada Bienal da Antropofagia, a 24ª edição do evento paulistano, realizada em 1998, com curadoria geral de Paulo Herkenhoff, como "uma das maiores oportunidades, recentemente, de pensarmos na formação do Brasil, dentro de um viés ampliado das artes e ciências humanas".

Reis considera que a discussão institucional das artes visuais proposta pela curadoria da Bienal de São Paulo interessa a um público mais restrito. "Mas, se pensamos que essa crise institucional é um dos sintomas de uma crise mais geral brasileira, isto certamente interessará a mais gente", diz. "De qualquer modo, a Bienal terá uma série de obras importantes de artistas como Carsten Holler e Marina Abramovic e isto ativará a curiosidade e atenção de um público mais geral". (AV)

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Rodrigo Naves, um dos mais destacados críticos de arte do país, esteve em Curitiba nesta semana para realizar uma conferência na galeria Casa da Imagem sobre a narrativa na obra plástica contemporânea. Autor dos livros Forma Difícil (1997) e O Vento e o Moinho (2007), nos quais reúne ensaios sobre arte, ele concedeu entrevista à Gazeta do Povo, em que fala sobre a crise das grandes exposições e a 28º Bienal de São Paulo.

Gazeta do Povo – O modelo das grandes mostras está em crise?

Rodrigo Naves – Acho que a crise desse padrão muito grande de exposições, como a Documenta de Kassel, na Alemanha, e a Bienal de Veneza, se dá em função, sobretudo, de uma parte significativa dos trabalhos contemporâneos que têm uma dimensão muito espetaculosa, próxima do entretenimento. São trabalhos com um lado lúdico e mesmo demagógico, ao tentar cooptar o observador, fazer com que ele estabeleça uma relação pseudo-participante com as obras. Essa característica, unida à grandiosidade da própria exposição, tende muitas vezes a convertê-la numa coisa lúdica no pior sentido.

Os curadores da Bienal de São Paulo reduziram o número de artistas para cerca de um terço do elenco da edição passada. Isso significa um avanço no modo como se realizam esses grandes eventos?

É sabido que a diminuição diz respeito a um problema econômico e administrativo. A partir daí, nasceu a intenção de se fazer uma mostra que propusesse uma discussão institucional. Isso é absurdo. Arte deve ser discutida com bons trabalhos de arte. O escorregador (do artista Carsten Holler, localizada na face externa do prédio), por exemplo, é lastimável. Num parque é simplesmente um escorregador, aí você põe na bienal, e já não se sabe o que é mais.

A questão central não é o tamanho, caso se fizesse uma exposição com 20 grandes artistas, com uma representação significativa do trabalho de cada um, talvez ocupasse aquele espaço todo e fosse utilíssimo. Da maneira como é feita, com 40 metros quadrados para cada pessoa, e boa parte dos trabalhos ligados a essa pseudo-participação do público, não vejo sentido. Essas mostras passam a ter uma natureza muito próxima à das feiras de arte, ainda que não se vendam os trabalhos ali.

Qual a sua opinião sobre a delimitação da exposição por meio de um tema?

A década de 1980 foi marcada por uma espécie de retomada muito barulhenta da pintura. Em função disso, a curadora Sheila Leirner propôs, em 1985, o tema A Grande Tela. Colocou os trabalhos em uma espécie de "grande tela" em que praticamente não há separação entre eles. Esta foi a primeira Bienal brasileira em que a mão do curador começou a pesar. Tradicionalmente, distancia-se um trabalho do outro para haver condições de ver cada um. Não é uma questão banal. Daí para frente, isso continuou a ser feito, mas – diga-se logo – não foi uma coisa que os brasileiros inventaram. É também a partir do final dos anos 1970, começo dos anos 1980, que esse peso da curadoria se fortaleceu muito. Há uma espécie de duplo movimento: curadoria muito forte e uma temática que tenta, muitas vezes de forma postiça, reunir coisas absolutamente díspares. Junta-se alhos com bugalhos, como se a dimensão estética estivesse nessa reunião. Isso é uma bobagem porque ou um trabalho de arte fala por si mesmo ou não é um trabalho de arte.

Para que deve servir um grande evento de arte como a Bienal? Como termômetro do mundo da arte e da produção contemporânea?

Acho que a função da bienal é mostrar a melhor arte possível. Se o momento for ruim, o termômetro será ruim. Não acho que se deva pegar a média do que está aí: se a média é pintura, faz pintura, se é instalação, faz instalação. A função de um evento como esse não é tomar a temperatura, mas formar a população com boa arte. Arte não é média. Picasso é o melhor, Matisse é o melhor.

O andar vazio, que fez com que esta edição ganhasse o apelido de Bienal do Vazio, propõe em sua opinião uma auto-crítica válida?

Isso é porque não houve dinheiro pra encher aquilo lá. Há uma crise. Não me parece que este seja um dos grandes momentos da arte contemporânea, concordo, mas me parece sofismo achar que um corredor vazio represente alguma coisa. O problema é administrativo, os caras não conseguem juntar dinheiro para pagar nem essa versão de bolso da Bienal. O prédio da bienal é bonito, não deixa de ter certo encanto ver aquilo vazio, mas daí a propor isso como um trabalho de arte é muito discutível. É muito dinheiro para ficar brincando de fazer "tesezinha", para ficar brincando no escorregador.

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