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A peça chinesa é redonda, com mais ou menos cinco centímetros de diâmetro e um de espessura, feita de metal e incrustada de jade. No verso, há o desenho de um dragão. A antigüidade não tem nenhum significado místico, mas quem a usa se sente protegida. O pingente se sobressai contra o preto da roupa usada por Lya Luft na manhã da última quarta-feira, quando conversou com a Gazeta do Povo. A escritora veio a Curitiba e falou para médicos a convite da Unimed. O tema: Passagem do Tempo, objeto dos ensaios reunidos em Perdas & Ganhos, seu livro mais popular, lançado em 2003 e há mais de cem semanas na lista dos mais vendidos.

"Já perdeu a graça", brinca Lya, que enfrenta um público ávido por ouvi-la falar sobre os assuntos que a fizeram tão querida por seus leitores. Sozinho, Perdas & Ganhos já vendeu 600 mil exemplares. Se se considerar toda a sua bibliografia, de acordo com a editora Record, a gaúcha está perto do 1 milhão de exemplares vendidos.

Desde o seu best seller, publicou outros três títulos, Pensar É Transgredir (de crônicas, mais de 200 mil vendidos), o infantil Histórias de Bruxa Boa e o recém-lançado de poesias Para Não Dizer Adeus (Record, 144 págs., R$ 24,90), resistindo à idéia de produzir um Perdas & Ganhos 2, apesar de ter material suficiente para tanto.

"Eu não estou atrás de dinheiro", afirma a escritora, que recebe, em média, quatro convites de palestras por dia, mas realiza somente duas por mês porque preza sua vida familiar. "De que adianta ter dinheiro e viver mal?" Ela está convencida de que livro "é algo imponderável" e o sucesso, "um acaso". Quando terminou o texto de Perdas & Ganhos, o enviou por e-mail ao filho Eduardo, jornalista com mestrado e doutorado em Filosofia. Assim que a família se reuniu, disse à mãe que, mesmo sem se dar conta, ela havia produzido uma obra dentro do filão de escritos morais criado por filósofos da Grécia clássica.

A editora recebeu o texto e lançou uma primeira tiragem de 3 mil exemplares – um bom número para os padrões brasileiros. Eles se esgotaram em uma semana. Fizeram mais 5 mil, disseminados em outros sete dias.

As edições se sucederam e Lya se tornou "a escritora que desbancou o Paulo Coelho", em referência ao artifício usado por uma editora holandesa no verso de sua tradução. Nos próximos meses, a obra deve ser publicada em uma dezena de países, incluindo Israel, Finlândia e Coréia.

Pavor

Autora de 17 livros, Lya estreou como romancista em 1980 com As Parceiras e sempre teve um público fiel, mas pequeno. Ela imaginou que seu maior sucesso não venderia nada. Hoje, depois de ouvir inúmeros leitores dizerem "Parece que você escreveu para mim!", entende que o público estava cansado de auto-ajuda e de teorias mirabolantes para ter sucesso e fazer amigos. Ao discutir questões ligadas à vida, procurou falar contra o pavor que algumas pessoas têm de envelhecer, abordou relações familiares e sondou questões como "qual é o valor da vida?". Tudo isso sem ser simplista nem acadêmica ou filosófica ao ponto de não ser compreendida.

"Parece que há uma globalização dos sentimentos, embora eu não goste dessa palavra: globalização", afirma. Na crônica "Escrever, Por Quê?", do Pensar É Transgredir, Lya admite, sem meias palavras, que escreve por ser insegura e por desejar cumplicidade. Diz ainda que o escritor é alguém "que fala pelos outros", uma figura capaz de traduzir o zeitgeist – palavra alemã que define "o espírito de uma época".

Imaginação, contemplação e um "interesse afetuoso pelo ser humano" são as principais fontes de Lya para seus textos. Ela se define como uma escritora intuitiva, tímida e supersticiosa (é filha de Oxum, deusa do amor). Se seguisse uma religião – o que não é o caso –, escolheria alguma africana.

Em Curitiba, quebrou o jejum de quatro meses sem falar em público. O seu "quadrimestre sabático" serviu para se dedicar ao que chama de "silêncio interior", necessário sempre que está escrevendo um livro. O próximo, previsto para o início de 2007, deve se chamar O Silêncio dos Amantes e, segundo a autora, aborda a incomunicabilidade e "o medo do silêncio, do parar para pensar". O título vem de um dos poemas de Para Não Dizer Adeus: "Como fontes que de noite brandamente/ boca a boca trocam seus segredos d’água,/ tocam-se os amantes, no afago/ da lúcida paixão secreta dessas águas. Assim, bocas sequiosas, os que estão apartados/ deixam que brotem, fundam-se, retornem/ os seus recados de amor como num lago".

Distante dos romances – vive uma fase em que não se interessa por ficção –, Lya acabou de ler o clássico da filosofia alemã O Mundo como Vontade e como Representação, de Arthur Schopenhauer, indicado pelo filho, Eduardo. "Ele quebra o mito da filosofia como algo árido", comenta. E se dedica também à poesia, lendo Elizabeth Bishop, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e Rainer Maria Rilke. O último, apresentado pelo pai.

Símbolos

A obra de Lya Luft já chegou à academia e seus livros são objetos de estudos em diversas universidades do Brasil. Aos 67 anos, diz ter dificuldade com teorias e cita a escritora Virginia Woolf. Assim como a inglesa, procura trabalhar com símbolos e emoções. Para ambas, quando os símbolos são decodificados, eles deixam de ser interessantes.

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