Ter a informação de que José Castello escreveu um livro autobiográfico é muito pouco para começar a entender Ribamar.
Afinal, uma obra literária deve ser lida, discutida e pensada a partir de outros elementos, e não apenas da "vida" e de questões que dizem respeito à experiência pessoal do autor.
Analisar a linguagem seria uma alternativa mais interessante nessa busca pelo entendimento do livro.
Ao acaso, um fragmento, na página 65: "Por que escrevo essa carta? Você está morto, nunca a lerá. Não passa, portanto, de um falso destinatário".
O que o trecho revela?
Em primeiro lugar, que o discurso é enunciado em primeira pessoa. Depois, que se trata de um texto de fácil compreensão.
Mas não seria razoável, a partir de um mero recorte, tentar decifrar um livro complexo.
Na realidade, Ribamar é uma obra indecifrável.
O narrador é um sujeito chamado José, que tem o mesmo nome do autor, o que pode confundir a recepção. Seria algo confessional? É preciso relativizar o que seria essa confissão.
Tudo, absolutamente tudo, o que é enunciado literariamente não é mais pessoal, por mais que o autor tenha vivido (o que insinua contar): a voz de quem narra não é necessariamente a voz do autor.
É importante voltar para aquele fragmento já citado nesta resenha: "Por que escrevo essa carta? Você está morto, nunca a lerá. Não passa, portanto, de um falso destinatário."
José faz a narração apesar de o destinatário, o pai, estar ausente. O narrador precisa dizer, mesmo que o "alguém" a quem ele queira falar já não possa ouvir, e mesmo até que, eventualmente, ninguém o escute.
E isso, essa necessidade de enunciar, é o que torna o livro de José Castello uma obra incomum.
Não se trata, por exemplo, de uma vingança, nem de um acerto de contas. Ao contrário. Ribamar é um mergulho em um universo particular e, dessa viagem, o narrador retorna ciente de suas fragilidades, de seus limites, mais humano, e isso tudo credencia Ribamar como uma obra de qualidade muito acima da média.
Ribamar é bem escrito, fluente, denso e comovente.
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