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Escrever sobre a morte de alguém é um caminho possível para a boa literatura.

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Talvez porque seja íntimo e único. “Pessoal e intransferível.”

Pense em Joan Didion e seu O Ano do Pensamento Mágico, em que a americana remói e reconstrói a perda do marido, o também escritor John Gregory Dunne. Na sequência, escreveu Noites Azuis, sensível obra sobre a morte da filha, Quintana.

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A Morte do Pai, primeiro romance da série autobiográfica Minha Luta, do norueguês Karl Ove Knausgård, também trata do fim da vida de alguém muito próximo.

O luto é um grande tema. Foi ele o ponto de partida da carreira literária de José Luís Peixoto.

O português tinha 21 anos quando colocou no papel – e depois na gaveta – um texto sobre a morte de seu pai.

Morreste-me, lançado há pouco tempo no Brasil, é o exemplo mais sincero da relação que temos com quem não existe mais.

Se as 64 páginas forem lidas numa sentada só, o efeito do livro é o de um soco no coração.

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Morreste-me

José Luís Peixoto. Dublinense,
64 pp., R$ 29,90.

Memorialístico ao relembrar passagens marcantes e comuns a todos – o pai ensinando o filho a dirigir; o almoço de domingo; o molho de chaves a balançar –, Morreste-me é uma conversa com quem não pode dizer nada. É um papo com o que restou.

Peixoto não investiga a morte, ou suas causas, como fez Didion. Com ele, a aceitação da perda, ainda que não completamente superada, é premissa para que uma memória enlutada se projete. “E abri a janela. Muito longe do luto do meu sentir, do meu ser, ser mesmo, o sol-pôr a estender-se na aurora breve solene da nossa cara fechada, pai. E pensei não poderiam os homens morrer como morrem os dias? Assim, com pássaros a cantar sem sobressaltos e a claridade líquida vítrea em tudo e o fresco suave fresco, e a brisa leve a tremer as folhas pequenas das árvores, o mundo inerte ou a mover-se calmo e o silêncio a crescer natural natural, o silêncio esperado, finalmente justo, finalmente digno.”

José Luís Peixoto venceu o prêmio José Saramago em 2001, com o romance Nenhum Olhar. Ele esteve em Curitiba na semana passada, como convidado do Litercultura. Em entrevista, disse que “escrever é tentar encontrar sentido no caos.”

A explicação cai como uma luva quando falamos da desarrumação que a morte de alguém próximo nos causa.

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